A discussão sobre se o Espiritismo é ou não religião, volta a ficar em evidência de tempos em tempos. Ao tempo de Allan Kardec não parecia ser diferente como podemos constatar em matéria incluída na edição de dezembro de 1868 da REVISTA ESPÍRITA. Argumenta Kardec: -“Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento seja uma força; mas é uma força puramente moral e abstrata? Não; do contrário não explicariam certos efeitos do pensamento. Para compreender, é preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que constituem a nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina. O pensamento é atributo característico do Ser espiritual; é ele que distingue o Espírito da matéria.; sem o pensamento, o Espírito não seria Espírito. A vontade não é atributo especial do Espírito; é o pensamento chegado a certo grau de energia; é o pensamento tornado força motriz. É pena vontade que o Espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas se ele tem a força de agir sobre os órgãos materiais, como não deve ser esta força sobre os elementos fluídicos que nos cercam. O pensamento age sobre os fluidos ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode, pois, dizer-se com toda a verdade que há nesses fluidos, ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundir, como há no ar ondas e raios sonoros. Uma assembleia é um foco onde irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos em que cada um produz a sua nota. Resulta daí uma porção de correntes e de eflúvios fluídicos, cada um dos quais recebe a impressão pelo sentido espiritual, como num coro de música cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição. (...) Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que esta deve e pode exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser o desprendimento do pensamento das garras da matéria. Infelizmente, em sua maioria, se afastam desse princípio, à medida que faziam da religião uma questão de forma. (...). Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembleias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção nata e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunidade de sentimentos, de princípios e de crenças. Consecutivamente, esse nome foi dado a esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou artigos de fé. É neste sentido que se diz: a religião política; entretanto, mesmo nesta acepção, a palavra religião não é sinônima de opinião; implica uma ideia partícula; a da fé conscienciosa; eis porque se diz também; a fé política. Ora, os homens podem envolver-se, por interesse num partido, sem ter fé nesse partido, e a prova é que o deixam sem escrúpulo, quando encontram sem interesse alhures, ao passo que aquele que o abraça por convicção é inabalável; persiste à custa dos maiores sacrifícios e é a abnegação dos interesses pessoais que é a verdadeira pedra de toque da fé sincera. (...). O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é pois, um laço essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao Espírito. (...). Se assim é, perguntarão: -Então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida. No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os elos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as mesmas leis da Natureza. Porque, então, declaramos que o Espiritismo não é uma religião? Porque não há uma palavra para exprimir duas ideias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; desperta exclusivamente uma ideia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí senão uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das ideias de misticismo e de abusos contra os quais tantas e tantas vezes se levantou a opinião pública. Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual do vocábulo, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral”.
Questão proposta pelo Cristiano, residente na
cidade de Vera Cruz: “Qual a relação entre a frase “o amor cobre a multidão de
pecados” com a Lei de Ação e Reação?”
Na verdade, Cristiano, quando Pedro proferiu
essa frase, “o amor cobre a multidão de pecados”, ele quis dizer que todos
podemos compensar nossos erros com o amor, e isso, sem dúvida, decorre da Lei
de Ação e Reação, também conhecida como Lei de Causa e Efeito ou Lei da
Causalidade.
Essa questão é quase matemática, pois nesse
caso, os pecados, significam dividas e os atos de amor significam pagamentos.
Por maior a dívida contraída, quando começamos a pagá-la, mesmo que seja em
suaves prestações, automaticamente vamos amortizando o montante a pagar, até a
cobertura total da dívida, o que certamente vai exigir algum tempo. Quanto
tempo? Isso depende do ritmo de crescimento espiritual de cada um.
Do ponto de vista moral, Cristiano, pecar quer
dizer “errar contra alguém, causar-lhe prejuízo, moral ou material”. Segundo o
Espiritismo, por maior o prejuízo que causamos, por maior a dor que provocamos no
outro, sempre haverá oportunidade de cobri-los, ainda que seja em longas e suaves
parcelas de amor. Amor aqui, no sentido que Jesus usou esta palavra , é o amor
fraterno, incondicional. Portanto, não é amor contemplação ou simplesmente amor
declaração, mas o amor-ação que, no Espiritismo, damos o nome de caridade.
Muita
gente ainda pensa que caridade é apenas dar esmola ou socorrer alguém num
momento de necessidade. Isso também é caridade, mas está longe de ser toda a
caridade a que Jesus se referiu, quando falou do amor fraterno, do amor que
respeita, que compreende, que se solidariza e até que se sacrifica em favor do
próximo, como o samaritano da parábola. Só a reiterada prática desse amor é capaz de
anular os efeitos do pecado, à medida que vai amortizando e, portanto,
diminuindo a dívida moral.
No
Espiritismo dá para entender bem esse mecanismo de amortização ou quitação
gradativa da dívida pela lei da reencarnação. Isso porque não é possível alguém
se redimir de seus erros e cobrir tudo que deve a todos numa única existência.
Quase sempre levamos para a outra vida problemas não resolvidos, pendências não
satisfeitas, em face do mal causado. Mas, reencarnando, passamos a ter
oportunidade de ir cobrindo essas dívidas através da prática do bem, que é a
única forma de manifestar o amor fraterno.
Fica clara, portanto, a frase de Pedro,
quando fala que o amor cobre a multidão de pecados, pois isso acontece, não
apenas numa existência – que, por sinal, pode ser muito curta – mas ao longo
das existências sucessivas pelas quais o Espírito endividado vai passando. À
medida que ele vai se despertando para os valores espirituais, fazendo o bem e
evitando o mal ( ou seja, amando), ele vai se sentindo liberto da opressão que
tanto suas vítimas, como sua própria consciência, exercem sobre ele.
Em última análise, Pedro quis dizer que o
amor é o único caminho da felicidade ou da bem aventurança. Logo, todos os
ensinamentos de Jesus se resumem no amor
fraterno, incondicional e sobretudo ativo, realizador, que é a caridade. “Fora caridade não há salvação” – eis o lema
da Doutrina Espírita, Por isso o
mandamento maior, amai-vos uns aos
outros, pois somente amando o próximo, que é filho de Deus, podemos amar a Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário