Lacordaire, cujo nome completo é Jean Baptiste-Henri Dominique Lacordaire, é autor de mensagens de conteúdo significativo, incluídas por Allan Kardec em várias edições da REVISTA ESPÍRITA e três n’ O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. Considerado como um precursor do catolicismo moderno, foi Padre, jornalista, educador, deputado e acadêmico. Advogado aos 22 anos, ordenado Sacerdote aos 26, aos 28 passa a colaborar no jornal diário católico L’AVENIR, periódico que defende a liberdade religiosa e de ensino, defendendo também a separação da Igreja do Estado. Atraído pela Ordem Dominicana suprimida pela Revolução Francesa, Lacordaire assume, em 1830, o projeto de restabelecê-la na França, especialmente pela missão da mesma que era o de pregar e ensinar, bem como pelas regras de funcionamento, visto que todas as autoridades internas dos dominicanos se baseiam em estruturas democraticamente eleitas e com mandatos previamente limitados temporalmente. No mesmo ano, foi eleito, aos 29 de idade, para o parlamento francês, destacando-se pelos discursos inflamados em defesa da liberdade de expressão e de associação, provocando fortes reações entre os adversários. Escolhido para a Academia Francesa, apenas proferiu seu discurso de aceitação, desencarnando pouco depois, em 1861, aos 59 anos. Já no ano de 1862, ressurge em Paris, através da mediunidade, ofertando sua contribuição sobre temas importantes nas obras básicas do nascente Espiritismo. Uma delas curiosamente seria inserida na edição de fevereiro de 1868 da REVISTA ESPÍRITA, numa coletânea com que Kardec compôs a seção Instruções dos Espíritos. Com um conteúdo revelador, Lacordaire diz o seguinte:
-“Eis uma pergunta que se repete por toda a parte: O Messias anunciado é a pessoa mesma do Cristo? Perto de Deus estão numerosos Espíritos chegados ao topo da escada dos Espíritos puros, entre eles seus enviados superiores, encarregados de missões especiais. Podeis chama-los Cristos: é a mesma escola; são as mesmas ideias modificadas conforme os tempos. Não fiqueis, pois, admirados de todas as comunicações que vos anunciam a vida de um Espirito poderoso sob o nome do Cristo; é o pensamento de Deus revelado numa certa época, e que é transmitido pelo grupo dos Espíritos Superiores que se aproximam de Deus e recebe as suas emanações para presidir ao futuro dos Mundos que gravitam no Espaço. O que morreu na cruz tinha uma missão a cumprir, e essa missão se renova hoje por outros Espíritos desse grupo divino, que vem, eu vo-lo repito, presidir aos destinos do vosso mundo. Se o Messias de que falam essas comunicações não é a personalidade de Jesus, é o mesmo pensamento. É aquele que Jesus anunciou, quando disse: -‘Eu vos enviarei o Espírito de Verdade, que deve restabelecer todas as coisas’, isto é, reconduzir os homens à sã interpretação de seus ensinamentos, porque previa que os homens se desviariam do caminho que lhes havia traçado. Aliás, era necessário completar o que então não lhes havia dito, porque não teria sido compreendido. Eis porque uma multidão de Espíritos de todas as ordens, sob a direção do Espírito de Verdade, vieram a todas as partes do mundo e a todos os povos, revelar as leis do Mundo Espiritual, cujo ensino Jesus havia adiado e lançar, pelo Espiritismo, os fundamentos da nova ordem social. Quando todas as suas bases estiverem postas, então virá o Messias que deve coroar o edifício e presidir à reorganização com o auxílio dos elementos que tiverem sido preparados. Mas não creiais que esse Messias esteja só; haverá muitos que abraçarão, pela posição que cada um ocupará no Mundo, as grandes partes da ordem social: a politica, a religião, a legislação, a fim de as fazer concordar com o mesmo objetivo. Além dos Messias principais, surgirão Espíritos de escol em todas as partes do detalhe e que, com lugares-tenentes animados da mesma fé e do mesmo desejo, agirão de comum acordo, sob o impulso do pensamento superior. Assim é que, pouco a pouco, estabelecer-se-á a harmonia do conjunto; mas é necessário, previamente, que se realizem certos acontecimentos”.
– “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” – disse Jesus, conforme está no evangelho. Contam os evangelhos que Pilatos perguntou a Jesus o que é a verdade, e Jesus não respondeu. Confesso que não entendi essa passagem. Gostaria de um comentário. Questão formulada pela ouvinte Tatiana.
Interessante a sua colocação. Já falamos disso noutras ocasiões, mas o tema é sempre oportuno. Muita gente lê os evangelhos e não presta muita atenção ao sentido mais profundo das colocações de Jesus. Querem levar tudo ao pé letra. E fazendo isso, vai encontrar, com certeza, muitas contradições. Os evangelhos não foram escritos neste século, nem no século passado. São textos muito antigos, num povo de idéias e costumes completamente diferentes dos nossos. Foram escritos manualmente numa época em que não existiam papel nem caneta e muito menos impressora. Por isso mesmo eles vieram sofrendo alterações na medida em que foram copiados e, por último, passaram por várias traduções.
Estudando mais profundamente tais textos, podemos perceber certas características fundamentais. Uma delas é que Jesus usava uma linguagem metafórica – ou seja, cheia de comparações, de imagens e símbolos. Quase sempre, mesmo falando das coisas materiais, ele estava se referindo ao espírito e, por isso, nem sempre foi bem entendido. Esta questão da verdade é fundamental. Numa de suas falas, ele havia dito “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Logo, a verdade, para ele, é fundamental.
Entretanto, se formos analisar cuidadosamente os evangelhos, vamos perceber que a verdade, para Jesus, é o amor – o amor puro e incondicional, que uns devem devotar aos outros. Repare que Jesus não se deteve em discutir dogmas religiosos. Aliás, ele deu pouco valor às celebrações que os fariseus costumavam fazer para impressionar o povo. Ele se deteve, única e exclusivamente, na conduta moral das pessoas, no seu comportamento e, mais do que isso, no seu sentimento. Isso fica muito demonstrado quando ele conta a parábola do fariseu e do publicano que foram ao templo orar.
O que era a verdade nessa parábola? O fariseu era religioso por excelência; o publicano, cobrador de impostos, tido como desonesto e corrupto. No entanto, na hora da prece, o fariseu assumiu uma postura de orgulho e vaidade perante Deus, enquanto que o publicado demonstrou sinceridade e simplicidade. Qual dos dois falou a Deus? Com certeza, o publicano, que nem religioso era. Onde está, pois a verdade? No coração do homem sincero: não importa se é fariseu ou publicano, samaritano ou saduceu: não importa! Não importa se ele é religioso ou não: não importa!
Como que Jesus, diante de uma autoridade romana, iria explicar tudo isso? Se Pilatos não entendeu o significado do que já lhe havia dito, não havia mais o que fazer. Falar sobre verdade seria pura perda de tempo. Eis porque Jesus se calou ante a pergunta de Pilatos, reconhecendo que a verdade, que o procurador romano buscava, era outra. Ela não estava, certamente, nos valores do espírito, mas nas conveniências da matéria. Não estava na busca do bem-estar do povo, mas apenas nos seus interesses para preservar o cargo e as regalias de que desfrutava.
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