-“Não compreendo como o homem pode aproveitar a experiência adquirida em suas experiências anteriores, se não lembra delas, pois, desde que ele não se recorda, cada existência é como se fosse a primeira, e é assim sempre, ao recomeçar. (...) Donde se pode dizer que a nossa mente morre em cada existência para renascer sem consciência do que fomos. Isso é uma espécie de negação”. O argumento bastante lógico foi apresentado a Allan Kardec que, de forma também lógica, disse: -No Espiritismo tudo se encadeia, e quando estudamos o conjunto, vemos que os princípios decorrem uns dos outros, servindo-se mutuamente de apoio. E então o que parecia uma anomalia contrária à justiça e à sabedoria de Deus, parece completamente natural, vindo confirmar esta justiça e esta sabedoria. Tal é o problema do esquecimento, que está ligado a outras questões de igual importância. Eis porque o tratarei apenas superficialmente aqui. Se, em cada existência, é lançado um véu sobre o passado, o Espírito nada perde do que adquiriu no passado: só esquece a maneira como o adquiriu. Para servir-me da comparação do estudante, diria que pouco lhe importa saber onde, como, e com quais professores ele fez o terceiro ano, se chegando ao quarto sabe o que se ensinou no terceiro. Que lhe importa saber se foi castigado por sua preguiça ou sua insubordinação, se esses castigos tornaram-no trabalhador e dócil? É assim que, ao reencarnar, o homem traz, por intuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em moralidade, pois se, durante uma existência ele melhorou, se aproveitou as lições da experiência, quando voltar será instintivamente melhor. Seu Espírito, amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais solidez. Longe de ter tudo a recomeçar, ele possui um capital cada vez mais rido, sobre o qual se apoia para adquirir mais. (...) O esquecimento temporário é um benefício da Providência. A experiência é muitas vezes adquirida por rudes provas e terríveis expiações, cuja lembrança seria muito penosa e viria somar-se às angústias das tribulações da vida presente. Se os sofrimentos da vida parecem longos, o que seria então se sua duração aumentasse com a lembrança dos sofrimentos do passado? O senhor, por exemplo, é hoje um homem honesto, mas o deve talvez a rudes castigos que suportou por crimes que agora repugnariam sua consciência. Ser-lhe-ia agradável recordar-se de haver sido enforcado pelo que fez? Não o perseguiria a vergonha ao pensar que o mundo soubesse o mal que cometeu? Que lhe importa o que tenha podido fazer e sofrer para expiá-lo, se agora é um homem respeitável? Aos olhos do mundo é um novo homem e aos olhos de Deus um Espírito reabilitado. Liberto da lembrança de um passado inoportuno, age com mais facilidade. É um novo ponto de partida; suas dívidas anteriores estão pagas, está em si não contrair novas. (...). Suponhamos ainda um caso muito comum, que nas suas relações, em seu próprio lar, encontra-se um Ser contra o qual tinha queixas, que talvez o tivesse arruinado ou desonrado em outra existência, e que, Espírito arrependido, venha a encarnar em seu meio, unir-se ao senhor por laços de família para reparar seus erros pelo devotamento e a afeição. Não estariam ambos na mais falsa situação, se os dois se recordassem de sua inimizade? Em lugar de se apaziguarem, eternizariam o ódio. Conclua daí que a lembrança do passado traria perturbações às relações sociais e seria um entrave ao progresso.
Esta questão foi colocada por uma ouvinte, que não quer se identificar. Assim, ela expõe seu problema, dizendo: “Quando a gente sofre uma ingratidão, como eu sofri - que partiu de uma pessoa da família que eu muito considerava – parece que o coração da gente fica mais duro e que, daí em diante, a gente não dá mais tanto valor ao sentimento. Eu pergunto: para que serve a ingratidão na vida de uma pessoa, se ela fica assim tão amarga e tão desconfiada dos outros?”
Nenhuma experiência que temos na Terra é inútil, por mais dolorida que seja. Ela sempre serve para alguma coisa, embora – é claro – nenhum de nós queira sofrer. A ingratidão, sem dúvida, é uma das experiências mais sofridas, até porque o ingrato é sempre uma pessoa próxima a quem servimos, quase sempre, nos seus momentos mais difíceis. Fica difícil para nós, ao recebermos uma ingratidão, entender como isso foi possível, como que alguém – a quem beneficiamos na necessidade – teve coragem de se insurgir contra nós, ou nos prejudicando, ou nos ignorando em nossos piores momentos.
Contudo, essa experiência dolorosa, na caminhada do Espírito, sempre tem um papel importante, como o remédio amargo ou a cirurgia de grande risco para a recuperação do paciente. Saber que sofremos por causa de nossas próprias necessidades de crescimento espiritual é, sem dúvida, um grande consolo. Na questão 937 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, ao serem indagados sobre ingratidão, os Espíritos dizem a Kardec que a ingratidão é uma prova para a nossa persistência no bem; ela nos será levada em conta, e aqueles que foram capazes de praticá-la responderão pela gravidade do ato, mais cedo ou mais tarde. É por isso, dizem os Espíritos que o bem deve ser feito apenas pelo bem e nunca esperando retribuição, como disse Jesus, quando afirmou: “Não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita”.
Quando fazemos o bem, esperando recompensa, corremos o risco de nos decepcionarmos com as pessoas a quem ajudamos, razão pela qual, quando fazemos o bem a alguém, nunca devemos contar com nenhuma recompensa ( nem mesmo com o reconhecimento), mesmo se tratando de nossos filhos. A recompensa, que devemos sempre buscar, é a satisfação de podermos ser úteis, de podermos servir os outros na hora da necessidade, de podemos fazer alguém feliz ou menos infeliz. Essa satisfação deve nos acompanhar sempre, agora e depois, nesta e na outra vida, independente do fato de sermos reconhecidos ou não por aqueles a quem ajudamos.
Desse modo, conforme os ensinamentos do grande Mestre da Humanidade, sempre que sofrermos os efeitos de um ato de ingratidão, para não sofrermos demasiado pelo mal que nos atinge, devemos ter como lema que “é melhor ser prejudicado do que prejudicar”, “é melhor ser vítima do que algoz”, “é melhor ter feito o bem e recebido o mal do que ser agente de um ato tão baixo como uma ingratidão”. É melhor para o nosso crescimento, porque todos nós, no longo transcurso de nossa evolução, assim como fez Jesus, precisamos aprender a lidar com nossos sentimentos e, por mais que soframos, devemos saber colocá-los sempre a nosso favor.
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