Várias gerações influenciadas por ensinos religiosos se formaram acreditando na existência do Anjo da Guarda, o personagem capaz de proteger-nos ou livrar-nos de perigos eminentes ou atitudes de consequências imprevisíveis. Seria apenas uma fantasia ou ficção? No número de janeiro de 1859 da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec reproduz mensagem espontânea assinada conjuntamente pelos Espíritos São Luiz e Santo Agostinho, oferecendo dados importantes para nossa reflexão sobre o tema. Indagam: -“Pensar que tendes sempre junto a vós seres que vos são superiores, que aí estão sempre para vos aconselhar, sustentar, ajudar a subir a áspera montanha do Bem, que são os amigos mais certos e mais delicados que as mais íntimas ligações que possais estabelecer nesta Terra, não é uma ideia consoladora?”, acrescentando: -“Estes seres aí estão por ordem de Deus; foi ele que os pôs ao vosso lado; aí se acham por amor a Ele e junto a vós realizam bela e penosa missão. Sim; onde quer que estejais, estarão convosco: os calabouços, os hospitais, os lugares de deboche, a solidão, nada vos separa destes amigos que não vedes, mas cujos suaves impulsos vossa alma sente, como escuta os sábios conselhos”. Em outro trecho afirmam: - “Cada Anjo da Guarda tem o seu protegido, sobre o qual vela, como um pai sobre o filho; é feliz quando o vê seguir o bom caminho e sofre quando seus conselhos são desprezados”. Meses depois, a versão definitiva d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS dedicaria trinta e três perguntas ao assunto, disponibilizando mais elementos para ampliar nosso entendimento, inserindo a referida mensagem como um adendo à questão 495. Dentre eles, destacamos: 1- Trata-se de um Espírito protetor de uma ordem elevada; 2- Acompanha seu tutelado do o nascimento até a morte, frequentemente o seguindo depois dela, na vida espiritual, e mesmo através de numerosas experiências corpóreas, consideradas fases bem curtas na vida do Espírito; 3- Para o protetor é, às vezes, um prazer, noutras uma missão ou um dever; 4- Em caso de deixar sua posição para cumprir diversas missões, são substituídos; 5- Afasta-se quando vê que seus conselhos são inúteis pela vontade mais forte do protegido em submeter-se à influência dos Espíritos inferiores, não o abandonando completamente, sempre se fazendo ouvir, voltando logo que chamado; 6- Jamais fazem o mal, deixando que o façam os que lhe tomam o lugar; 7- Quando deixa seu protegido se extraviar na vida, não é por incompetência sua, mas porque ele não o quer, saindo seu protegido mais instruído e perfeito, assistindo-o, porém, com seus conselhos, pelos bons pensamentos que lhe sugere, infelizmente nem sempre ouvidos; 8- Há circunstâncias em que a presença do Espírito protetor não é necessária; 9- Sua ação não é ostensiva pelo fato de que se o fosse o protegido não agiria por si mesmos e não progrediria, visto necessitar da experiência, exercitar suas forças, sendo a ação dos Bons Espíritos efetuada de forma a lhe deixar o livre arbítrio; 10- Quando vê seu protegido seguir o mau caminho, sofre com seus erros e os lamenta mas essa aflição nada tem das angústias da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para o mal, e que o que hoje não se fez, amanhã se fará. Em nota, Allan Kardec, comenta: Dessas explicações e das observações feitas sobre a natureza dos Espíritos que se ligam ao homem podemos deduzir o seguinte: 1- O Espírito Protetor, anjo da guarda ou bom gênio, é aquele que tem por missão seguir o homem na vida e o ajudar a progredir, sendo sempre de natureza superior à do protegido; 2- Os Espíritos familiares se ligam a certas pessoas por meio de laços mais ou menos duráveis, com o fim de ajuda-las na medida de seu poder., frequentemente bastante limitado, sendo bons, mas às vezes pouco adiantados; 3- Os Espíritos simpáticos são os que atraímos a nós por afeições particulares e uma certa semelhança de gostos e sentimentos, tanto no Bem como no mal, durando e se subordinando suas relações às circunstâncias; 4- O mau gênio é um Espírito imperfeito ou perverso que se liga ao homem com o fim de o desviar do Bem, mas age pelo seu próprio impulso e não em virtude de uma missão, manifestando sua tenacidade na razão do acesso mais fácil ou mais difícil que encontre. Conclui dizendo: -“O homem é sempre livre de ouvir a sua voz ou de a repelir”.
Eis o depoimento de uma ouvinte, cujo nome não quis revelar. Ela disse o seguinte: “Atravessei grande parte de minha vida carregando mágoas. Só quando tinha filhos adultos é que fui entendendo que mágoa é lixo e por isso deve ser jogada fora. Foi dando conselhos aos meus filhos, para que fossem mais tolerantes e mais compreensivos, que eu mesma aprendi a perdoar e me livrar desse nó na garganta, depois de muitos anos. Hoje, lamento não ter percebido isso bem antes. Poderia ter vivido melhor comigo mesma.”
Interessante o depoimento. Ele revela, sobretudo, que a vida é uma escola e que nossas necessidades e sofrimentos nos ensinam a viver. A maturidade espiritual, portanto, não se conquista de um dia para outro, nem depende apenas de nossa vontade. Ela pode vir em decorrência do caminho difícil e tortuoso da vida, da observação e da reflexão; mas, sobretudo, ela pode vir da dor moral, que funciona, ao longo do tempo, como um buril que fere e transforma a pedra bruta em diamante.
Há dois pontos importantes a considerar neste caso. O primeiro é que o perdão não é um simples passe de mágica, em que eu posso dizer “está perdoado”, e pronto!... Ele requer tempo, reflexão, amadurecimento, auto-aceitação e paz interior. O segundo ponto é que o perdão é possível, e que podemos exercitá-lo ainda nesta vida, embora, muitas vezes, só o percebamos na maturidade, pois ele vem se configurando paulatinamente ao longo do tempo.
A ofensa é aquela arma afiada que penetra fundo na alma do ofendido, abrindo-lhe uma ferida ou mágoa. Mas essa violência só acontece se ele se coloca com seu orgulho e vaidade pessoal na mira do ofensor, deixando-se atingir dolorosamente; ou seja, quando a pessoa ainda não tem maturidade espiritual desenvolvida para ser humilde, a ponto de compreender os limites e as necessidades do ofensor.
No entanto, se ele atinge o alvo é porque o ofendido não está suficientemente espiritualizado para se defender das investidas maldosas. Neste caso, a ferida da alma vai continuar lhe causando estrago, enquanto não aprender a tratá-la e extirpá-la do coração, podendo provocar-lhe até mesmo desajustes, enfermidades física ou mental. Receberá o grande alívio, contudo, ( e esse grande alívio é que é perdão de Deus, a que Jesus se referiu) quando conseguir ver seu desafeto com outros olhos, entendendo seus motivos, mesmo não concordando com eles.
Há, pelo menos, duas portas para livrar-se da dor da mágoa. A primeira é consciente, quando a vítima chega à conclusão de que precisa perdoar e aprender a amar seu ofensor, desvestindo-se do orgulho que a contamina. A segunda é esta, que a ouvinte nos coloca, quando só o tempo e o sofrimento, ao longo de muitos anos, lhe mostrarão quanto absurdo e irracional é continuar cultivando o lixo do ressentimento. A primeira forma é, sem dúvida, mais rápida e eficiente; a segunda, bem mais lenta e sofrida.
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