Embora cumprindo importante papel social, as escolas filosóficas e religiosas tradicionais permanecem cristalizadas em concepções e princípios que não atendem mais aos anseios do Mundo moderno, a não ser para aqueles que preferem se acomodar em fantasias inconsistentes. Os líderes dessas escolas, exalando pretensão e presunção mantem-se em debates intermináveis contribuindo para que o Ser humano coletivamente se distancie cada vez mais do entendimento sobre o significado da existência. Expondo seu ponto de vista, Allan Kardec argumenta que “o Espiritismo vem, não como uma religião, mas como doutrina filosófica, trazer sua teoria, apoiada no fato das manifestações. Ele não é imposto: não exige confiança cega; infiltra-se entre as criaturas e diz: Examinai, comparai e julgai; se achardes algo do que vos dou, tomai-o. Ele não diz: Venho derrocar as bases da religião e substituí-la por um culto novo. Diz: Dirijo-me, não aos que creem e que se acham satisfeitos em suas crenças, mas aos que abandonam as vossas fileiras pela incredulidade e que não soubestes ou pudestes reter. Venho falar-lhes sobre as verdades que repelem uma interpretação de natureza a satisfazer sua razão e que os leva a aceita-la. E a prova de que o consigo é o número dos que tiro do atoleiro da incredulidade. Escutai, e todos vos dirão: Se me tivessem ensinado estas coisas assim em minha infância, jamais teria duvidado. Agora creio porque compreendo”. Nesse sentido, um dos tópicos que poderia ajudar as criaturas a entender muita coisa e motivar revisões comportamentais é o princípio da reencarnação. Porque as limitações físico/mentais; a inversão sexual; os conflitos familiares? Porque, afinal, sofremos? Na REVISTA ESPÍRITA de março de 1862, Allan Kardec alinha alguns argumentos em artigo de sua autoria, muitos úteis em nossas reflexões: -“Mas, que é o que dá poder à teoria do futuro? Que é o que lhe consigna tantas simpatias? É - dizemos nós – a sua lógica inflexível, que resolve todas as dificuldades até então insolúveis; e isto ela deve ao princípio da pluralidade das existências. Com efeito, tirai este princípio, e imediatamente surgirão milhares de problemas cada qual mais insolúvel. A cada passo a gente se choca com inúmeras objeções. Essas objeções não eram levantadas outrora, porque ninguém pensava nelas. Mas hoje que a criança se fez adulto, quer ir ao fundo das coisas; quer ver claro o caminho por onde o conduzem; sonda e pesa o valor dos argumentos que lhe apresentam; e se estes não lhe satisfazem à razão, se o deixam no vago e na incerteza, rejeita-os e espera coisa melhor. A pluralidade das existências é uma chave que abre novos horizontes, que dá uma razão de ser a inúmeras coisas incompreendidas, que explica o inexplicado. Ela concilia todos os acontecimentos da vida com a justiça e a bondade de Deus. Por isso os que tinham chegado à dúvida quanto a essa justiça e a essa bondade, agora reconhecem o dedo da Providência onde o tinham ignorado. Sem a reencarnação, com efeito, a que atribuir as ideias inatas? Como justificar a idiotia, o cretinismo, a selvageria, ao lado do gênio e da Civilização? A profunda miséria de uns ao lado da felicidade dos outros? As mortes prematuras e tantas outras coisas? Do ponto de vista religioso certos dogmas, como o do pecado original, o da queda dos anjos, a eternidade das penas, a ressurreição da carne, etc. encontram neste princípio uma interpretação racional, que leva à aceitação do seu espírito, mesmo por aqueles que repeliam a letra. Em resumo, o homem atual quer compreender. O princípio da reencarnação ilumina o que estava obscuro. Por isso dizemos que esse princípio é uma das causas que dão favorável acolhida ao Espiritismo. Dir-se-á que a reencarnação não é necessária para crer nos Espíritos e em sua manifestação; e aprova disso é que há crentes que não a admitem. É verdade. Também não dizemos que se não possa, sem isto, ser bons Espíritas. Não somos daqueles que atiram pedras aos que não pensam como nós. Apenas dizemos que eles não abordaram todos os problemas levantados pelo sistema unitário, sem o que teriam reconhecido a impossibilidade de lhes dar uma solução satisfatória. A ideia da pluralidade das existências a princípio foi acolhida com espanto, com desconfiança. Depois, pouco a pouco, familiarizaram-se com ela, à medida que reconheciam a impossibilidade de, sem ela, saírem das inúmeras dificuldades levantadas pela psicologia e pela vida futura. Há uma coisa certa: o sistema ganha terreno diariamente, enquanto o outro o perde”.
Sei que o Espiritismo condena o aborto. Mas eu pergunto: será que o Espírito, que foi abortado e que portanto não chegou a nascer, não deveria passar por isso? Não poderia ser, por exemplo, o espírito de uma mulher que abortou na última encarnação? (Adriana)
Há nos Evangelhos uma fala muito significativa de Jesus, que nos compete analisar. É uma dessas frases que, a princípio, parecem contraditórias, mas que por trás dessa aparente contradição revela uma grande verdade. Trata-se de uma advertência de Jesus quando disse: “ É necessário que o escândalo venha, mas ai de quem der causa ao escândalo!”
Veja que interessante. Primeiro Jesus fala da necessidade do escândalo; depois ele lamenta a sorte dos que virão causá-lo. Então, perguntamos: o que é escândalo? Se o escândalo é um mal, por que ele é ao mesmo tempo necessário? E, se ele é necessário, por que a pessoa que o provoca tem que sofrer por isso?
Escândalo, segundo os dicionários, é todo fato que ofende sentimentos, crenças ou regras sociais; é indignação, perplexidade ou sentimento de revolta causado por algum ato ofensivo à moral. Então, perguntamos, como tais atos podem ser necessários? O ideal não seria se todos se conduzissem dentro da moralidade e da boa conduta, sem necessidade de escândalos?
Sim, sem dúvida; isso seria o ideal. Mas o ideal tem um preço; é preciso saber como chegar a ele. Ninguém se modifica apenas e tão somente ouvindo boas regras ou bons conselhos. Muitas vezes – talvez na maioria das vezes – precisamos sofrer as consequências de nossos erros ou do erros dos outros para mudar nosso comportamento. E é nisso que consiste o escândalo a que Jesus se referiu. Em nosso estágio evolutivo tudo que é bom tem um alto custo, e esse custo é esforço, luta, sacrifício.
No entanto, isso não quer dizer que precisamos sair por aí cometendo desatinos, agindo com desrespeito, violência ou desonestidade. Quem já conquistou a honestidade não pratica atos desonestos; quem já construiu a paz dentro de si não usa de violência. Contudo, sempre vai haver aquele que não atingiu essa condição e que cometerá erros graves, praticando o mal. Nós também aprendemos ou reforçamos o que aprendemos com os erros dos outros.
Assim, cara ouvinte, o mal nunca se justifica, mas infelizmente para nós ele é ainda necessário. O aborto é um crime perante a lei de Deus, pois consiste em tirar uma vida, a vida de um Espírito que está reiniciando uma nova oportunidade. Não nos compete, de forma alguma, questionar se ele precisa ou não precisa viver, se ele precisa passar ou não por essa prova: se foi gerado, se está no ventre materno é porque está destinado à vida. Nós fazemos a nossa parte, a Lei de Deuis faz a dela.
Neste caso, cara ouvinte, o aborto é o escândalo, que ainda mancha a sociedade e causa tanto sofrimento. Infelizmente ele ainda precisa existir, pois, como humanidade ainda não conseguimos superar o orgulho e o egoísmo. Mas que ele não tenha o nosso consentimento, tampouco nosso envolvimento, para que não sejamos, na linguagem de Jesus, “aqueles pelos quais o escândalo vier”.
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