Você já se perguntou como algumas pessoas conversando ou escrevendo parecem em alguns momentos ter sido arrebatadas por estranha inspiração? No número de novembro de 1859 da REVISTA ESPÍRITA, encontramos um interessante artigo do editor Allan Kardec que nos permite entender como isso é possível. Baseou-se na leitura na reunião de 16 de setembro daquele ano da Sociedade Espírita de Paris, em que foram lidos diversos fragmentos de um poema intitulado URÂNIA, assinado pelo sr de Porry, da cidade de Marselha, em que abundam ideias espíritas, aparentemente bebida na fonte d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS. O detalhe é que foi constatado que na época em que foi escrito o autor nenhum conhecimento possuía da Doutrina Espírita. Kardec explica o fato como tendo sido possível pela mediunidade involuntária ou inconsciente. Argumenta: -“É conhecido que os Espíritos que nos cercam, que exercem sobre nós, independente de nossa vontade ou consciência, uma influência incessante, aproveitam as disposições que encontram em certos indivíduos para transformá-los em instrumentos das ideias que querem exprimir e levar ao conhecimento dos homens. Tais indivíduos são, sem o saber, verdadeiros médiuns, e para isto não necessitam possuir a mediunidade mecânica. Todos os homens superdotados, poetas, pintores e músicos estão neste caso; certamente seu próprio Espírito pode produzir por si mesmo, caso seja bastante adiantado para tal; mas muitas ideias também nos podem vir de uma fonte estranha. Pedindo inspiração, não parece que estejam fazendo um apelo? Ora, o que é a inspiração se não uma ideia sugerida? Aquilo que tiramos do nosso próprio fundo não é inspirado: possuímo-lo e não temos necessidade de o receber. Se o homem de gênio tirasse tudo de si mesmo, porque estão lhe faltariam ideias exatamente no momento em que as busca? Não seria ele capaz de tirá-las de seu cérebro, como aquele que tem dinheiro o tira de seu bolso? Se aí nada encontra em dado momento é porque nada tem. Porque será que, quando menos esperamos, as ideias brotam por si mesmas? Poderiam os fisiologistas dar a explicação de tal fenômeno? Algum dia procuraram resolvê-lo? Dizem eles: o cérebro produz hoje, mas não produzirá amanhã. Mas por que não produzirá amanhã? Ficam limitados a dizer que é porque produziu na véspera. Segundo a Doutrina Espírita, o cérebro pode sempre produzir aquilo que está nele. Por isso é que o homem mais inepto acha sempre alguma coisa a dizer, mesmo que seja uma tolice. Mas as ideias de que não somos senhores não são nossas: elas nos são sugeridas. Quando a inspiração não vem é porque o inspirador aí não está ou não julga conveniente inspirar. Parece que tal explicação é mais valiosa que a outra. Poder-se-ia objetar que não produzindo, o cérebro não devia fatigar-se. Isso seria um erro: o cérebro não deixa de ser o canal por onde passam as ideias estranhas, e o instrumento que executa. O cantor não fatiga seus órgãos vocais, posto que não seja a música da sua autoria? Porque se não fatigaria o cérebro ao exprimir ideias que está encarregado de transmitir, posto não as tenha produzido? Sem dúvida é para lhe dar repouso necessário a aquisição de novas forças, que um inspirador lhe impõe um compasso de espera. Pode ainda objetar-se que este sistema tira ao produtor o mérito pessoal, pois se lhe atribuem ideias de uma fonte estranha. A isto responderemos que, se as coisas assim se passassem, não saberíamos o que fazer e não teríamos muita necessidade de nos enfeitarmos com as penas de pavão. Mas tal objeção não é séria, porque não dissemos de saída, que o homem de gênio nada tirasse de si mesmo; em segundo lugar porque as ideias que nos são sugeridas se confundem com as nossas, e ninguém as distingue. De modo que ele não é censurado por se atribuir sua paternidade, a menos que as tenha recebido a título de comunicação espiritual constatada e quisesse ter a glória das mesmas. Isto, entretanto, poderia levar os Espíritos a fazê-lo passar por algumas decepções. Diremos, enfim, que se os Espíritos sugerem grandes ideias a um homem, dessas ideias que caracterizam o gênio, é porque o julgam capaz de compreendê-las, de as elaborar, e de as transmitir. Eles não tomariam um imbecil para seu interprete. Podemos, pois, sentir-nos honrados de receber uma grande e bela missão, sobretudo se o orgulho não nos desviar do objetivo louvável e não nos fizer perder o seu mérito. Quer os pensamentos sejam do seu emissor, que sejam sugeridos indiretamente por via mediúnica, não terá menos mérito. Porque, se a ideia lhe foi dada, cabe-lhe a honra de tê-las elaborado”.
Como sempre, o Cristiano de Vera Cruz nos traz mais uma questão inteligente, que consiste no seguinte: “ No livro O CÉU E O INFERNO, de Allan Kardec, cap. 7, Código Penal da Vida Futura, item 17, encontramos a seguinte frase: “A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem havia feito o mal. Quem não repara seus erros numa existência, por fraqueza ou má vontade, achar-se-á numa vida futura em contato com as MESMAS PESSOAS que de si tiveram queixas, em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto o mal que lhes tenha feito. Pergunto: COMO QUE AQUELES, QUE FORAM RESPONSÁVEIS PELO ASSASSINATO DE JESUS REPARARAM ESSE MAL, SE NÃO HOUVE EXISTÊNCIA FUTURA DE JESUS PARA QUE HOUVESSE CONTATO ENTRE A VÍTIMA E SEUS ASSASSINOS?
Nesta, como em questão anterior, Cristiano, você trata de um Espírito muito especial, que é Jesus. Aliás, muito especial para nós – que ainda nos achamos muito distantes de seu nível evolutivo. A sua pergunta é oportuna porque nos leva a considerar a necessidade da reparação diante dos prejuízos que causamos uns aos outros. De fato, é o que Kardec diz nesse capítulo de O CÉU E O INFERNO, aliás uma leitura que todos devemos fazer para nos inteirar dos principais pontos do que consideramos um código divino.
Para o Espiritismo é primordial compreender como se dá a Justiça de Deus, conforme a máxima de Jesus que diz “a cada um segundo as suas obras”. Na verdade, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer, começando pelos atos que nos pareçam mais insignificantes ou mesmo aqueles que sequer percebemos, tem um valor espiritual. Tem, portanto, um peso na justiça divina, principalmente quando se trata de prejuízos que causamos. Se na justiça humana existe essa preocupação, para que cada cidadão se conscientiza da importância de seu papel na sociedade, imagine como isso não é tratado pela justiça divina, que é perfeita.
Quando prejudico alguém, diante da Lei de Deus, contraio de imediato uma dívida para com essa pessoa. Essa dívida pode ser material ou moral, mas qualquer que seja o caso, a dívida moral é muito mais significativa do que a simples dívida material, porque ela se refere a quanto fiz a pessoa sofrer, ao quanto de medo, intranquilidade ou aflição lhe causei. Contudo, ao praticar esse ato, eu agredi a pessoa e agredi a lei de Deus, que está em minha consciência. Mesmo que essa vítima venha a me perdoar, mesmo que ela me compreenda a ignorância ou a maldade, mais cedo ou mais tarde, eu vou tomar consciência da dívida que contrai comigo mesmo, e vou me sentir culpado ou responsável pelo ato cometido, passando a sentir uma irresistível necessidade de me redimir.
Logo, Cristiano, eu fico devendo ou me sinto devedor diante dessa vítima e é para ela que tenho que pagar ou devolver o que tirei, em termos de esperança, de paz, de conforto, de proteção. Nesses casos, posso reencarnar para pagar essa dívida, seja por vontade ou não. Se não for por minha vontade, mas por uma contingência qualquer, será o que denominamos expiação. Mas se for por minha escolha , porque tenho necessidade de devolver o que tirei do outro, é o que chamamos de prova ou provação. Isso, porém, é regra geral, é o que geralmente acontece, embora cada caso deva ser particularizado ou analisado segundo suas peculiaridades.
Entretanto, Cristiano, você levanta o caso de Jesus, e pergunta como os seus inimigos e carrascos – depois de tudo que lhe fizeram – vão voltar para devolver a Jesus o que dele tiraram, uma vez que Jesus nunca mais encarnou na Terra e talvez nunca volte a reencarnar entre nós? Sua colocação é interessante. Contudo, trata-se de um caso muito peculiar, que precisa ser analisado em seus fundamentos.
Em primeiro lugar, precisamos considerar que Jesus perdoou incondicionalmente seus agressores e ele mesmo deixou bem claro esse sentimento, ao dizer: “Perdoa-lhes, Pai, porque eles não sabem o que fazem.” Ora, Jesus, nesse ato, dispensou qualquer tipo de pagamento, devolução ou reparação diretamente a si mesmo. Com isso, Jesus que amava os inimigos, quis dizer aos seus agressores: “Ora, vocês não me devem nada. Esqueçam. Agora o problema, que vocês passarão a ter não será comigo, mas com as suas consciências. E nisso vocês vão precisar do perdão de Deus”. Jesus estava se referindo aqui ao auto perdão, tema que podemos comentar noutro momento.
Quando a consciência do culpado desperta como uma explosão, Cristiano – e isso acontece com todos nós, mais cedo ou mais tarde em relação ao mal que fizemos – é que ele ( o culpado) começa a enfrentar o grande problema do remorso. É o fogo da culpa ardendo nos recessos mais profundos de sua alma. É quando ele passa a reconhecer e a avaliar a extensão do prejuízo que causou e, no caso específico de Jesus, que eles causaram à humanidade, porque Jesus viveu em função do bem de toda a humanidade, inclusive deles mesmos.
Logo, Cristiano, não há o que pagarem a Jesus, porque simplesmente Jesus os perdoou, mas há muito o que responder diante de suas consciências culpadas que, com certeza, lhes exigirão algum tipo de reparação, muito provavelmente em favor da causa pela qual Jesus viveu e morreu. Logo, acreditamos que os Espíritos que estiveram envolvidos diretamente na morte e no martírio de Jesus voltaram ou ainda voltarão à Terra para trabalhar em favor da disseminação da causa do evangelho. A fim se conquistarem a paz intima e a harmonia com as leis da vida, eles devem passar por situações difíceis, que lhes exijam esforço e sacrifício com que um dia se sentirão quites consigo mesmos, porque estarão atuando pela mesma causa de Jesus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário