Mais de um século e meio se passou e a questão continua inalterada: a indiferença de parte dos representantes da chamada ciência em relação aos fenômenos mediúnicos. Já os rotularam de espíritas, metapsíquicos, paranormais. E o público leigo continua a se esconder nesta situação para justificar seu descrédito quanto à autenticidade dos fatos, notadamente os explicados com base nas interpretações do Espiritismo. Allan Kardec deparou-se com os argumentos desprovidos de sentido e conteúdo à sua época como se deduz de artigo escrito e inserido por ele na REVISTA ESPÍRITA de junho de 1859. Deste trabalho, destacamos alguns tópicos para sua apreciação. Escreve o autor: -“Para começar, é um erro muito grave afirmar que todos os cientistas estejam contra nós, considerando-se que o Espiritismo se propaga justamente na classe esclarecida. Só existem cientistas na ciência oficial e nos corpos constituídos? Pelo fato de o Espiritismo não desfrutar ainda dos direitos de cidadania no âmbito da ciência oficial, poder-se-ia prejulgar a questão? É conhecida a circunspeção daquela em relação às ideias novas. Se a Ciência jamais se tivesse enganado, sua opinião poderia pesar na balança; a experiência, infelizmente, prova o contrário. Não repeliu como quimeras uma imensidão de descobertas que, mais tarde, ilustraram a memória de seus autores? Por isso deve-se concluir que os sábios sejam ignorantes? Isso justifica os epítetos triviais à custa do mau gosto que certas pessoas se aprazem em prodigalizar-lhes? Não, certamente. Não há ninguém de bom-senso que não faça justiça aos sábios, embora reconhecendo que não são infalíveis e que seu julgamento, assim, não representa a última instância. Seu erro é resolver certas questões um pouco levianamente, confiando demasiado em suas luzes, antes que o tempo se tenha pronunciado, e assim se expondo a receber os desmentidos da experiência. Cada um só tem competência para julgar o que conhece. Se quisermos construir uma casa, chamaremos um músico? Se estivermos doentes, seremos tratados por um arquiteto? Se tivermos um processo, buscaremos a opinião de uma dançarino? Enfim, se se tratar de uma questão de teologia, pediremos a sua solução a um químico ou a um astrônomo? Não; cada qual no seu ofício. As ciências vulgares repousam sobre as propriedades da matéria, que podemos manipular à vontade; os fenômenos que ela produz têm como agentes forças materiais. Os do Espiritismo têm como agente inteligências que possuem sua independência, seu livre-arbítrio, e de modo algum se submeteriam aos nossos caprichos; escapam, dessa forma, aos nossos processos anatômicos e laboratoriais, bem como aos nossos cálculos e, assim, não são da competência da ciência propriamente dita. A Ciência se enganou ao querer experimentar os Espíritos como se o fizesse a uma pilha voltáica; partiu de uma ideia fixa, preconcebida, à qual se aferra, e quer forçosamente ligá-la à ideia nova. Fracassou, e assim devia acontecer, porque agiu tendo em vista uma analogia que não existe. Depois, sem ir mais longe, concluiu pela negativa: julgamento temerário que o tempo diariamente se encarrega de reformar, como reformou tantos outros, e aqueles que o pronunciaram muito se envergonharão por haverem levianamente assumido uma falsa posição contra o poder infinito do Criador. Assim, pois, as corporações científicas não devem, nem jamais deverão pronunciar-se sobre o assunto; ele não é da sua alçada, assim como também não o é o direito de decretar se Deus existe. É, pois, um erro constituí-las em juiz. Mas quem será o juiz? Os Espíritos se julgam no direito de impor suas idéias? Não; o grande juiz, o juiz soberano, é a opinião pública. Quando essa opinião se formar pela aquiescência das massas e dos homens esclarecidos, os cientistas oficiais a aceitarão como indivíduos e sofrerão a força das circunstâncias. Deixai passar uma geração e, com ela, os preconceitos do amor-próprio que se obstina, e veremos dar-se com o Espiritismo o mesmo que se deu com tantas outras verdades combatidas, que atualmente seria ridículo pôr em dúvida.
Li uma reportagem – disse Alexandre - que Jesus, quando era criança, já fazia milagres espantosos. Isso é verdade? Por que não está na Bíblia?
Caro Alexandre, a Bíblia é um livro que chegou até nós através da Igreja Católica, com base em textos sagrados que foram traduzidos para o latim por São Jerônimo no século IV de nossa era, versão conhecida por Vulgata Latina. Não consta nessa coleção de textos, particularmente no chamado Novo Testamento, narrativas desses fatos da infância de Jesus que você mesmo aponta.
Na verdade, personagens como Jesus, que viveram na antiguidade e tiveram grande projeção no cenário do mundo, chegaram ao nosso conhecimento com muita dificuldade, devido à falta de registros e às limitações de escrita na época em que viveram. A Bíblia não surgiu pronta, nem foi resultado de um milagre que caiu do céu, mas do esforço de pessoas que, ao longo de séculos, conseguiram reunir documentos com anotações sobre a vida religiosa dos hebreus, com o que foi possível contar a história desses personagens.
Sobre isso há dois pontos a considerar. O primeiro deles é que, há 2 mil anos atrás, os textos escritos eram muito raros, pouquíssimas pessoas tinham acesso à leitura. Além disso, esses textos eram grafados com estiletes aquecidos sobre pedaços de pergaminho (couro de animais especialmente preparados para isso), que eram enrolados e guardados dentro de vasos de gargalo comprido. O livro impresso que adquirimos em livrarias, como conhecemos hoje a própria Bíblia, só surgiu bem mais tarde, no século XVI, ou seja, mais de 1500 anos depois de Cristo.
Desse modo, nesse passado distante, foram elaborados textos em pergaminho, dos quais nos restaram vários fragmentos; Textos os mais diversos, sobre Jesus, inclusive os quatro evangelhos que conhecemos (Mateus, Lucas, Marcos e João) e que foram selecionados entre muitos outros, considerados por São Jerônimo não dignos de fé. Em alguns desses evangelhos, chamados apócrifos, encontramos relatos de fatos mirabolantes sobre Jesus, histórias que parecem ridículas, especialmente as que se referem à sua infância.
Alguns desses relatos dizem que Jesus-menino fazia milagres enquanto brincava com outras crianças. Conta-se, por exemplo, que certo dia, ele brincava com outro garoto de sua idade, fazendo torres de areia, quando o menino dele se aproximou e destruiu o seu brinquedo. Contrariado, Jesus desejou que o menino morresse ali mesmo e o menino no mesmo instante caiu morto. A mãe do garoto, vendo o que se passava, no desespero, recorreu a Maria e pediu que fizesse Jesus ressuscitar seu filho. E foi o que aconteceu. Com uma simples ordem de Jesus, o menino voltou a viver.
É claro que se trata de uma história ingênua e pouco crível, que na verdade não convence qualquer pessoa de bom senso. No entanto, histórias maravilhosas e fantasiosas sobre Jesus, como essa, espalharam-se depois da ressurreição. Tais fatos eram contados e passavam de boca em boca, cada qual procurando colorir mais a situação e, com o intuito de engrandecer Jesus, mais tarde, escreveram-nas em pergaminho para passar adiante. Mas, a verdade é que eram histórias que não merecem consideradas. Tanto assim que a própria Igreja não anexou esses evangelhos ao Novo Testamento.
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