Nos números da REVISTA ESPÍRITA de agosto de 1865 e fevereiro de 1867, Allan Kardec incluiu mensagens do Espírito Lacordaire, que em sua encarnação terminada em 1861, deixou importante obra no âmbito da escola religiosa que servira como sacerdote dominicano. Diante dos textos selecionados para as edições citadas, simulamos uma entrevista virtual sobre temas muito oportunos. Vamos a ela: Como entender a religiosidade de superfície ou o convencionalismo religioso? - “Geralmente os homens são despreocupados e não creem numa religião senão por desencargo de consciência e para não rejeitar completamente suas boas e suaves preces que lhe embalaram a juventude, e que sua mãe lhes ensinou ao pé do fogo, quando a noite trazia consigo a hora de sono. Mas se esta lembrança por vezes se apresenta ao seu espírito, é, na maioria das vezes, com um sentimento de pesar que retornam a esse passado, onde as preocupações da idade madura ainda estavam enterradas na noite do futuro (..). Nem sempre se deve rejeitar como fundamentalmente mau tudo quanto parece manchado de abusos, composto de erros e sobretudo inventado à vontade, para a glória dos orgulhosos e para benefício dos interessados (...). Cabe-vos bem refletir antes de formular o vosso julgamento (...). É possível que numerosos trabalhos dos tempos antigos sejam obras vossas, realizada numa existência anterior. E a sempre presente intolerância religiosa? – “A fé cega é o pior de todos os princípios! Crer com fervor num dogma qualquer, quando a sã razão se recusa aceita-lo como uma verdade, é fazer ato de nulidade e privar-se voluntariamente do mais belo de todos os dons que nos concedeu o Criador; é renunciar à liberdade de julgar, ao livre arbítrio que deve presidir a todas as coisas na medida da justiça e da razão”. O que pensar sobre os espíritas e a intolerância religiosa? – “Os Espíritas, antes de tudo, devem ser lógicos com seu ensino e não atirar pedras às instituições e às crenças de outras épocas, apenas porque são de outra época. A sociedade atual necessitou, para ser o que é, que Deus lhe concedesse, pouco a pouco a luz do saber. Não vos cabe, pois, julgar se os meios por ele empregados eram bons ou maus. Não aceitais senão o que vos parece racional e lógico”. Como nos posicionarmos diante da legenda “fora da caridade não há salvação” adotada pelo Espiritismo? – “A caridade é o ato de nossa submissão à Lei de Deus; é o sinal de nossa grandeza moral; é a chave do Céu (...). As coisas do Espírito ou do coração, tem-se dito, tendo um preço infinitamente superior ao das coisas materiais, segue-se que consolar aflições, por boas palavras ou por sábios conselhos, vale infinitamente mais que consolar por socorros materiais (...). Tendes razão se a aflição de que falais tem uma causa moral, se encontra sua razão numa ferida do coração; mas se for a fome, o frio, uma doença, se, numa palavra, são causas materiais que foram provocadas, vossas sábias opiniões chegarão a curá-las? (...). A impossibilidade vos detém. Então como? A caridade não tem limites; é infinita como Deus, de quem emana, e não admite qualquer impossibilidade! Qual a razão das omissões ante as oportunidades de praticar a caridade? - É o egoísmo (...). Podeis enganar o mundo, conseguireis enganar momentaneamente vossa consciência, mas nunca enganareis a Deus. Em cem anos, em mil anos, aparecerás novamente na Terra; sem dúvida aí vivereis, despojados de vossa opulência presente e curvados ao peso da indigência”. Considera válido sacrificar a família em nome da caridade? – “A família, que será dela? Estamos quites com ela desde que socorremos o que se chama pobre? (...). Do momento em que reconheceis a necessidade de vos despojar pelos pobres, trata-se de fazer uma escolha e estabelecer uma hierarquia. Ora, vossas mulheres e vossos filhos são os vossos primeiros pobres; a eles deveis, pois, dar as vossas primeiras esmolas. Numa escala de valores, como ficam os filhos? - “Velais pelo futuro de vossos filhos (...). Mas não lhes ensineis jamais a viver egoisticamente e a olhar como deles tudo o que é de todos. Antes e depois deles, os autores de vossos dias, os que vos alimentaram e guardaram, os que protegeram vossos primeiros passos e guiaram vossa adolescência, vosso pai e vossa mãe, tem direito à vossa solicitude. Depois vem as almas que Deus vos deu em vossos irmãos segundo a carne; depois os amigos do coração; depois todos os pobres, a começar pelos mais miseráveis(...). Evitai sempre favorecer demasiado a uns, com exclusão dos outros. É pela partilha equitativa, ainda, que cumprireis a lei de Deus em relação aos vossos irmãos, que é a lei da solidariedade”.
Gostaria de saber se existe alguma oração, algum trabalho ou alguma fórmula que possa tirar uma pessoa do vício da bebida, sendo que essa pessoa é um trabalhador honesto. (Anônima)
O alcoolismo – ou dependência do álcool – não é um problema que possa ser resolvido sem o consentimento e o esforço da pessoa que bebe. Muita gente quer atribuí-lo aos Espíritos e acha que pode obter, num ato mágico, uma solução para o problema, afastando esses Espíritos. Mas não é tão simples assim. Em primeiro lugar, devemos considerar que há uma predisposição na pessoa, mesmo que ela seja uma pessoa honesta e trabalhadeira, que a leva à bebida alcoólica e acaba tornando sua mente e seu corpo dependentes ou acomodados ao consumo do álcool. Do ponto de vista psiquiátrico, o alcoolismo é uma doença.
São variados os fatores que levam a pessoa ao alcoolismo, mas, em geral, são fatores de ordem emocional, mesmo os que começam na adolescência. Pessoas, que dependem do álcool, fazem da bebida uma muleta, um meio para encontrarem coragem de enfrentar a si mesmas – com os seus problemas, naturalmente. Serve também como fuga, para não pensar e sofrer decepções, dissabores – as amarguras da vida. Mas é uma fuga enganosa e muito cara, para ela e para seus familiares.
É claro que todos somos suscetíveis de sofrer influências espirituais. Nesse sentido, o alcoolista dificilmente está sozinho na hora de beber, mas, nestes casos, os Espíritos são apenas seus companheiros de bebida. Não foram eles que criaram a disposição para beber. A disposição vem da própria pessoa. Eles apenas aproveitam uma oportunidade para estimular mais a sua vontade de beber e suprir suas necessidades, já que, para chegarem à bebida, deles dependem inteiramente dos encarnados.
Entretanto, não existem palavra sagrada ou sacramental, fórmulas milagrosas ou mágicas, que possam mudar a vontade de alguém. Só a pessoa pode mudar-se, quando ela reconhecer sua necessidade, quando quiser se dispor a isso, com uma vontade firme e determinada de se libertar dessa dependência. É por isso que existe o serviço do AA – Alcoólicos Anônimos, um serviço de elevado valor moral e social, que abraça essa causa. Quando o dependente reconhece seu problema e se dispõe a se tratar, ele pode freqüentar as reuniões do AA e, ao mesmo tempo, passar por um tratamento espiritual no centro espírita, onde vai receber orientação e conforto. Desse modo, além de tratar-se, ela poderá ajudar os Espíritos que a acompanham.
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