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Sem os extraordinários recursos disponíveis na atualidade, a forma de comunicação dominante até quase o final do século 19 eram as cartas. Referência para os que em grande parte da Europa, algumas regiões da África e Américas, Allan Kardec já em 1862 revelava receber uma média de dez cartas por dia, encontrando dificuldades para atender a maioria que objetivavam esclarecer dúvidas facilmente elucidáveis nas OBRAS BÁSICAS até então lançadas. Inúmeros relatos de fenômenos, contudo, lhe chegavam ao conhecimento. No número de dezembro de 1967, Allan Kardec, por exemplo, inclui entre as matérias da REVISTA ESPÍRITA, uma sobre curioso fato reportado por um dos um dos correspondentes: -“Pelo fim do mês de dezembro de 1866, não longe do vilarejo de Monin, uma camponesa de vinte e quatro anos, chamada Marianne Coubert, estava ocupada em juntar folhas num prado, perto da casa onde mora com seu pai, de sessenta e quatro anos, e uma irmã de vinte e nove. Desde alguns instantes, um velho de estatura média, vestido à camponesa, já se mantinha no canto do gradeado que dá passagem para o prado. De repente, ele chamou a jovem, que logo se aproxima, e pergunta se ela lhe podia dar uma esmola. “ – Mas que vos poderia dar? perguntou ela. Nada tenho; a não ser que queirais aceitar um pedaço de pão. “ – O que quiserdes, replicou o velho. Aliás, podeis ficar tranquila, ele não vos faltará. “E a camponesa apressou-se em ir buscar o pedaço de pão. Ao retornar, disse-lhe o velho: “– Há muito tempo que já me respondestes. “– Como, respondeu a camponesa atônita, vos podia responder? Ainda não me tínheis chamado.– Eu não vos tinha chamado, é verdade, mas meu Espírito se havia transportado para vós, tinha penetrado o vosso Espírito e foi assim que conheci previamente as vossas intenções. Também parei diante de outra casa, lá embaixo; meu Espírito entrou e conheci as disposições pouco caridosas dos que ali habitam. Por isso pensei que seria inútil ali pedir alguma coisa. Se aquelas pessoas não mudarem, se continuarem a não praticar a caridade, muito terão a lamentar. Quanto a vós, jamais recuseis dar esmola, e Deus vos levará em conta os vossos sentimentos e vos dará muito além do que tiverdes dado aos infelizes... Estais doente dos olhos? “ – Ah! sim, respondeu a camponesa, a maior parte das vezes minha vista é tão fraca que não posso me dedicar aos trabalhos do campo. “ – Pois bem! continuou o velho, eis um par de óculos com os quais vereis perfeitamente. Tendes uma irmã que amastes muito e que morreu há oito anos e quatro meses. “– É verdade, respondeu a camponesa, cada vez mais atônita. “ – Vossa mãe morreu há um ano. “– É verdade, continuou ela, ainda mais espantada. (...) -Ambas se encontram num lugar onde são felizes e onde as revereis um dia. Antes de vos deixar, tenho algo a vos recomendar: ide à casa de tal pessoa (uma moça de má conduta, que tinha vários filhos) e pedi-lhe que vos deixe levar um de seus filhos, que educareis até a época de sua primeira comunhão. (...) Não deixeis de recomendar à pessoa, na casa de quem deveis pegar o menino, que se converta, pois não creio que ela viva ainda muito tempo. Previno-vos que tereis uma grave moléstia pelo fim do mês de março; não mandeis chamar médico, pois será inútil; é uma prova a que vos deveis submeter com resignação. Aliás, eu voltarei a vos ver. E o velho afastou-se. Chegando a uma pequena ponte muito próxima, desapareceu de repente.
“ No Evangelho Jesus fala para não resistir ao mal, para dar dois mil passos se alguém nos quer obrigar a andar mil, para dar o manto a quem nos pede a túnica... Mas isso não seria dar arma aos maus, deixar que eles tomem conta do mundo, como já estão fazendo. E os nossos direitos onde ficam? (Madalena)
Esse lance aconteceu quando Jesus se dirigiu ao povo no Sermão da Montanha, dizendo: “ Ouvistes o que foi dito, “olho por olho, dente por dente”. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Mas, se alguém te ferir na face direita, apresenta-lhe também a outra; e ao que quiser te chamar em juízo para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém te forçar a dar mil passos, vai com ele mais dois mil”.
Allan Kardec faz uma análise dessa fala de Jesus no capítulo XII d’O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, capítulo esse que ele intitulou “Amai os vossos inimigos”. Seria oportuno você ler e refletir sobre esse capítulo, que traz uma explicação muito interessante. Kardec considera que Jesus se utilizava de expressões e comparações muito fortes para realçar o sentido mais profundo de seus ensinamentos. É o que, em Língua Portuguesa, chamamos de hipérboles.
A hipérbole, como figura de linguagem, faz parte de nossa fala cotidiana, quando dizemos, por exemplo, “já lhe disse mil vezes que isto é assim”. Evidentemente, trata-se de um exagero, porque ninguém fala mil vezes a mesma coisa, mas a expressão “mil vezes”, neste caso, é apenas uma figura que serve para realçar ou dar força aquilo que queremos dizer. Frequentemente encontramos hipérboles na fala de Jesus que, com isso, buscava atingir a mente dos ouvintes com sua mensagem.
O que ele pretendia era contraditar as leis antigas, que estavam cristalizadas na mente do povo, pois os ensinos de Moisés datavam de mais de mil e duzentos anos. Jesus foi um inovador de idéias e percebeu que já era hora de mudar os hábitos antigos. Por isso, em determinados momentos como esse, ele não poderia usar uma linguagem branda ou delicada, que não teriam impacto na alma de seus ouvintes. Ele precisava chocar a todos com expressões que levavam ao exagero, para pretender alguma mudança.
Mudança de quê? Mudança de comportamento. Desde que proclamou Deus como Pai e todos os homens como irmãos, ele tinha que defender a idéia de que o Pai ama todos os seus filhos. Ama tanto a nós, como ama nossos amigos e como ama nossos inimigos, pois todos somos irmãos. Jesus estava vendo bem mais longe do que o povo podia enxergar, pois sabia que, pela lei de evolução, um dia todos chegarão a Deus – tanto o amigo como o inimigo, tanto o bom como o mau.
É claro que cada um de nós tem seu limite, e o que é limite para um pode não ser para outro. Ninguém pode dar o que não tem e nem Jesus poderia exigir isso, ninguém pode sustentar um peso que está além de suas forças, mas sempre poderá dar um pouco mais de si. O que ele pretendia, portanto, é que cada um desse o máximo possível de seu esforço para superar os limites da paciência e da tolerância, no trato com os adversários ou com as pessoas que não compactuam com suas idéias.
O desenvolvimento de nossas qualidades morais segue os padrões de desenvolvimento de nosso corpo. O atleta, que vai hoje à olimpíada, vai lá para superar o seu próprio recorde. Mas isso vai custar-lhe muito treino, muito esforço e, sobretudo, muita disciplina. No campo moral também é assim. Cada um de nós pode exercitar bondade e humildade, treinar paciência e tolerância e, assim, obter conquistas mais expressivas de autossuperação no campo espiritual.
Kardec, no entanto, deixa claro que a nossas atitudes não devem ser de completa passividade, pois, dessa maneira estaríamos, de fato, abrindo campo aos maus. Cada um deve lutar pelo seu direito, desde que não fira o direitos dos outros. No entanto, cada um também tem o direito de abrir mão de seu próprio direito, quando esta atitude for construtiva, quando servir para um objetivo maior – por exemplo, para o bem de outros ou da coletividade. É onde entram a paciência, a tolerância, a liberalidade.
Em muitas circunstâncias, recuar diante de um direito é uma estratégia inteligente e boa, de que podemos nos valer, porque estamos dando uma lição de humildade, de compreensão, de amor ao semelhante, ao mesmo tempo em que estamos agindo com cautela e responsabilidade. Contudo, precisamos usar a razão e o sentimento sempre, para contrabalançar nossa conduta, tanto quanto possível, procurando fugir de assumir atitudes radicais, que mais prejudicam do que ajudam. Ao final de cada dia é sempre recomendável façamos um balanço de nossas ações diante de nossa consciência.
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