Apoiando-se em fatos que envolveram algumas personalidades importantes do passado da França, Allan Kardec escreve na edição de novembro de 1867 da REVISTA ESPÍRITA um artigo em que procura explicar a diferença entre as duas situações propostas pelos termos pressentimentos e prognósticos. Cita o livro Memórias De Madame Chapman em que é relatado que na época em que tinha sido concebida a ideia de unir Maria Antonieta, a filha da Imperatriz Maria Tereza, ao filho de Luiz XV, esta buscou ouvir o Cura Gassner - reconhecido pelos seus à época chamados dons - a quem consultava muitas vezes, que ante a pergunta se sua “Antonieta seria feliz?”, após longa reflexão, empalideceu estranhamente e, apesar de manter enigmático silêncio, premido pela Imperatriz, disse: -“Senhora, há cruzes para todos os ombros”. A História registrou que desde o dia do casamento ocorrido em 16 de maio de 1770, uma sucessão de acontecimentos inclusive atmosféricos assinalaram essa pagina da vida de tanta gente famosa. O próprio Luiz XV, ouvira em 1757, de um astrólogo levado à sua presença pela Madame Pompadour, depois de ter feitos cálculos a partir da sua data de nascimento, disse-lhe:-“ Senhor, vosso reino é celebre por grandes acontecimentos; o que se seguirá sê-lo-á por grandes desastres”. Voltando à Maria Antonieta, após 8 anos de esterilidade, concebeu a uma menina e, três anos depois, ao que seria o herdeiro da Coroa, acontecimento comemorado em festa por toda Paris, em 21 de janeiro de 1782, onze anos antes da morte do Rei e do aprisionamento da Rainha para ser guilhotinada, em 1793, um ano após o marido, acusada de traição pelos que fizeram a Revolução Francesa. Analisando a questão Allan Kardec pondera: -“Nestes fatos, há que considerar duas coisas bem distintas: os pressentimentos e os fenômenos considerados como prognósticos de acontecimentos futuros. Não se poderiam negar os pressentimentos, dos quais há poucas pessoas que não tenham tido exemplos. É um desses fenômenos cuja explicação a matéria só é impotente para dar, porque se a matéria não pensa, também não pode pressentir. É assim que o materialismo a cada momento se choca contra as coisas vulgares que o vem desmentir. Para ser advertido de maneira oculta daquilo que se passa ao longe e de que não podemos ter conhecimento senão num futuro mais ou menos próximo pelos meios comuns é preciso que algo se desprenda de nós, veja e entenda o que não podemos perceber pelo olhos e pelos ouvidos, para referir a sua intuição ao nosso cérebro. Esse algo deve ser inteligente, desde que compreende e, muitas vezes, de um fato atual, prevê consequências futuras. É assim que por vezes temos o pressentimento do futuro. Esse algo não é outra coisa senão nós mesmos, nosso Ser espiritual, que não está confinado no corpo, como um pássaro numa gaiola, mas que, semelhante a um balão cativo, afasta-se momentaneamente da Terra, sem cessar de a ela estar ligado. É sobretudo nos momentos em que o corpo repousa, durante o sono, que o Espírito, aproveitando o descanso que lhe deixa o cuidado de seu invólucro, em parte recobra a liberdade e vai colher no espaço, entre outros Espíritos, encarnados como ele, ou desencarnados, e no que vê, ideias cuja intuição traz ao despertar. Essa emancipação da alma por vezes se dá no estado de vigília, nos momentos de absorção, de meditação e de devaneio, em que a alma parece não mais preocupada com a Terra. Ocorre, sobretudo de maneira mais efetiva e mais ostensiva nas pessoas dotadas do que se chama a dupla vista ou visão espiritual. Ao lado das intuições pessoais do Espírito, há que colocar as que lhe são sugeridas por outros Espíritos, quer em vigília, quer no sono, pela transmissão de pensamentos de alma a alma. ´É assim que muitas vezes se é advertido de um perigo, solicitado a tomar tal ou qual direção, sem que por isto o Espírito cesse de ter o seu livre arbítrio. São conselhos e não ordens, porque sempre fica livre de agir à sua vontade.
Os Espíritos passam para o umbral para se depurar, como foi o caso de André Luiz antes de ser levado para Nosso Lar, como vimos no livro e no filme. Podemos dizer, então, que o umbral dos espíritas é o purgatório dos católicos?
Não achamos apropriada essa comparação, porque os significados de umbral (dos espíritas) e purgatório (dos católicos) são diferentes. Para a Igreja o purgatório é o lugar onde as almas, que ainda têm chance de se salvar, vão sofrer para purgar seus pecados, ou seja, para se depurarem e daí ganharem definitivamente o céu.
O céu para os católicos, tanto quanto o inferno, são lugares definitivos, eternos. Aqueles que vão para um desses lugares, absolvidos ou condenados, de lá nunca mais sairão, porque não lhes haverá outra oportunidade.
No Espiritismo é diferente. Não há condenação definitiva – ou melhor, não há condenação nenhuma. O fato de o Espírito passar pelo umbral ( que seria um estado de sofrimento) decorre das suas condições íntimas e de seus conflitos de consciência, jamais de uma condenação, até porque ele sairá de lá mais cedo ou mais tarde.
Para efeito de comparação, diríamos que a regeneração do Espírito se dá através do despertar de sua consciência moral e de seu esforço em se melhorar, assim como o doente, que tomando consciência da gravidade da doença, passa a se tratar.
Será que daí ele vai para o céu? Não. Segundo o Espiritismo podemos chamar de “céu” o estado de felicidade relativa a cada um de nós, mesmo quando estamos aqui na Terra, mas não é um lugar determinado, da mesma forma que o umbral também é uma condição intima e passageira do Espírito na sua longa caminhada de aperfeiçoamento.
Quando ele mesmo, o Espírito – geralmente, com o auxílio de Espíritos amigos – consegue ir se superando em termos morais, a partir de então, ele pode ter acesso e ser encaminhado para uma condição espiritual melhor.
É o que aconteceu com André Luiz. O umbral era sua condição íntima. Era a vivência de conflitos da alma ainda não resolvidos. A partir do momento em que André encontrou um ponto de equilíbrio e pôde se estabilizar moralmente, foi levado para a colônia Nosso Lar, porque lá já havia tratamento adequado para ele.
Mas ele não vai permanecer definitivamente em Nosso Lar. Chegará o dia em que, em consequência de seu progresso moral, decorrente dom seu aprendizado e dos serviços prestados, ele estará em condições de habitar colônias espiritualmente mais adiantadas.
Mas, mesmo assim, não estaria no céu. Nosso Lar não é céu. É uma colônia espiritual onde estagiam Espíritos que se acham num processo de transformação moral. Existem colônias muito mais elevadas que Nosso Lar, mas certamente elas não estão próximas à Terra.
Por outro lado, a depuração que se concebe no purgatório dos católicos parece algo passivo, ou seja, o simples sofrimento daria ao Espírito a condição de auto superação. No Espiritismo, não basta sofrer, a depuração é um processo consciente e4 ativo, em que o Espírito aprende a se superar.
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