Em sua REVISTA ESPIRITA de agosto de 1865, Allan Kardec inicia a pauta com um artigo intitulado O QUE ENSINA O ESPIRITISMO, respondendo às pessoas que perguntam quais as conquistas novas que devemos ao Espiritismo. Num trecho de seus comentários, diz que “é incontestável que o Espiritismo ainda tem muito a nos ensinar. É o que não temos cessado de repetir, pois jamais pretendemos que ele tenha dito a última palavra”. Em outro, que “para alcançar a felicidade, Deus não pergunta o que se sabe, nem o que se possui, mas o que se vale e o bem que se terá feito. É, pois, no seu melhoramento individual que todo espírita sensato deve trabalhar, antes de tudo. Só aquele que dominou suas más inclinações aproveitou realmente o Espiritismo e receberá sua recompensa”. Alinha 10 argumentos, demonstrando a lógica de seus raciocínios: 1 – Inicialmente, ele dá, como sabem todos, a prova patente da existência e da imortalidade da alma. É verdade que não é uma descoberta, mas é por falta de provas sobre este ponto que há tantos incrédulos ou indiferentes quanto ao futuro; é provando o que não passava de teoria que ele triunfa sobre o materialismo e evita as funestas consequências deste sobre a sociedade. Tendo mudado em certeza a dúvida sobre o futuro, é toda uma revolução nas ideias, cujas consequências são incalculáveis. Se aí, se limitassem os resultados das manifestações, esses resultados seriam imensos. 2 – Pela firme crença que desenvolve, exerce uma ação poderosa sobre o moral do homem; leva-o ao Bem, consola-o nas aflições, dá-lhe força e coragem nas provações da vida e o desvia do pensamento do suicídio. 3 – Retifica todas as ideias falsas que se tivessem sobre o futuro da alma, sobre o céu, o inferno, as penas e as recompensas; destrói radicalmente, pela irresistível lógica dos fatos, os dogmas das penas eternas e dos demônios; numa palavra, descobre-nos a vida futura e nô-lo mostra racional e conforme à justiça de Deus. É ainda uma coisa de muito valor. 4 – Dá a conhecer o que se passa no momento da morte; este fenômeno, até hoje insondável, não mais tem mistérios; as menores particularidades dessa passagem tão temida são hoje conhecidas; ora, como todo mundo morre, tal conhecimento interessa a todo mundo. 5 – Pela Lei da Pluralidade das existências, abre um novo campo à filosofia; o homem sabe de onde vem, para onde vai; com que objetivo está na Terra. Explica a causa de todas as misérias humanas, de todas as desigualdades sociais; dá as mesmas leis da natureza para base dos princípios de solidariedade universal, de fraternidade, de igualdade e de liberdade, que só se assentavam na teoria. Enfim, lança a luz sobre as questões mais complexas da metafísica, da psicologia e da moral. 6 – Pela teoria dos fluidos perispirituais, dá a conhecer o mecanismo das sensações e das percepções da alma; explica os fenômenos da dupla vista, da visão à distância, do sonambulismo, do êxtase, dos sonhos, das visões, das aparições, etc; abre um novo campo à Fisiologia e à Patologia. 7 – Provando as relações existentes entre os mundos corporal e espiritual, mostra neste último uma das forças ativas da natureza, um poder inteligente e dá a razão de uma porção de efeitos atribuídos a causas sobrenaturais, e que alimentaram a maioria das ideias supersticiosas. 8 – Revelando o fato das obsessões, faz conhecer a causa, até aqui desconhecida, de numerosas afecções, sobre as quais a ciência se havia equivocado, em detrimento dos doentes, e dá os meios de os curar. 9 – Dando-nos a conhecer as verdadeiras condições da prece e seu modo de ação; revelando-nos a influência recíproca dos Espíritos encarnados e desencarnados, ensina-nos o poder do homem sobre os Espíritos imperfeitos para os moralizar e os arrancar aos sofrimentos inerentes à sua inferioridade. 10 – Dando a conhecer a magnetização espiritual, que era desconhecida, abre ao magnetismo uma via nova e lhe trás um novo e poderoso elemento de cura. Conclui, por fim, que “o Espiritismo deu sucessivamente e em alguns anos todas as bases fundamentais do novo edifício. Cabe agora a seus adeptos por em obra esses materiais, antes de pedir novos. Deus saberá bem lhes fornecer, quando tiverem completado sua tarefa”.
Paulinha Garcia pergunta: “Como devemos entender o castigo de Deus, segundo a Doutrina Espírita”?
Alguns programas atrás abordamos esta questão do castigo, quando um outro ouvinte questionou por que Kardec ainda usou essa palavra “castigo” em suas obras, quando ele mesmo deixou claro que não existe castigo de Deus. Explicávamos, então, que o sentido das palavras se modificam com o tempo. De tanto ser usada repetidas vezes, uma palavra vai assumindo conotações diferentes em diferentes épocas e lugares.
Evidentemente, a palavra castigo, na obra espírita, não tem o mesmo sentido da palavra castigo nas diversas religiões salvacionistas. Chamamos de salvacionista a religião que prega ser o único caminho de salvação da alma para um céu de felicidade eterna, ou, a perdição num inferno impiedoso de eterno sofrimento. Esta, porém, não é a proposta espírita, como o ouvinte deve saber. No Espiritismo, como nas leis da natureza, nada se perde, tudo se transforma. Logo, não há perdição; há apenas transformação.
Na concepção religiosa comum – com a qual o Espiritismo não concorda – desde a época de Adão e Eva, Deus vem castigando o homem pela sua desobediência. Assim, por exemplo, ao tempo de Moisés – que, aliás, nem cogitava da vida após a morte – a vida que Deus nos concedeu era esta estamos vivendo hoje e, depois dela, não haveria mais vida. Isso significava que todo castigo, assim como toda recompensa, só podiam ser aplicados por Deus nesta mesma vida, enquanto estamos encarnados, razão pela qual os mandamentos trazidos por Moisés previam essas práticas de maneira rigorosa.
Vamos dar um exemplo. Entre os dez mandamentos recebidos por Moisés, havia um que dizia: “honrai vosso pai e vossa mãe para que longos sejam vossos dias na Terra”. Isso significava que a duração da vida de uma pessoa dependia da forma como ela tratava seus pais, ou seja, viveriam mais anos aqueles que tratassem bem seus pais. Era a crença da época. Isso significava, por outro lado, que a pessoa que não desse um bom tratamento ao pai e à mãe seria castigada por Deus e morreria mais cedo.
Quando Jesus apareceu no cenário da Palestina, ele andou discordando de alguns mandamentos, no todo ou em parte. Mas ele trouxe uma visão nova de vida - pois, para Jesus, a vida não é apenas esta aqui, a vida continua numa outra vida, numa outra dimensão. Bastou que Jesus trouxesse ensinamento para que se passasse a entender que a duração da vida de uma pessoa neste mundo nada tinha a ver com o castigo de Deus.
Pelo contrário, Deus para Jesus é Pai misericordioso, que manda o sol para os bons e para os maus, que manda a chuva para os justos e para os injustos, como ele próprio afirmou. Logo, não há castigo divino ou, pelo menos, podemos dizer que os nossos sofrimentos não dependem de Deus. O princípio, que Jesus ensinava, se resumia no lema “a cada um segundo suas obras”. Logo, não é Deus que castiga, é o homem que se castiga a si mesmo, quando pratica o mal ou deixa de fazer o bem, porque o amor é lei da natureza. Da mesma forma é o homem que busca a própria recompensa toda vez que faz o bem.
Na lei mosaica o castigo maior era a pena de morte, infringida a quem trabalhasse no sábado, cometesse adultério ou proferisse blasfêmia, e isso era feito mediante um ritual de apedrejamento em lugar público. Jesus não concordava com isso, pois ensinava um Deus bom e misericordioso: “Se vós, que sois maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, o que não vos dará o Pai celestial, que é bom e perfeito?”
No LIVRO DOS ESPÍRITOS, Kardec questionou os Espíritos sobre este tema, e ele mesmo, Kardec, para ilustrar os ensinos que recebeu, contou a seguinte parábola. Um homem, na hora da morte, chamou seus dois filhos e lhes passou as terras que estava deixando. Ensinou o que fazer para fazer a terra produzir e deu-lhes as ferramentas nas mãos. E Kardec conclui: se esses filhos não cuidarem devidamente da terra e vierem a viver na miséria no futuro, eles poderão culpar o pai ou dizer que o pai os castigou? Certamente que não. Nesse caso o castigo adveio da preguiça e da negligência para com a terra.
Por outro lado, mesmo o castigo infringido pelos pais humanos aos seus filhos, não tem como objetivo prejudica-los ou destruí-los, mas ensiná-los o bom caminho. Que pai humano mataria seu filho, porque cometeu uma falta, mesmo grave? Ora, se o pai – que é humano e imperfeito – mesmo quando seu filho comete um grave, no máximo, pode impor-lhe um castigo, mas com o objetivo de corrigi-lo, quanto mais Deus, que é bom e perfeito, em relação aos seus filhos amados.
Desse modo, podemos concluir que Deus não se volta contra nenhum de seus filhos, por mais grave a falta que cometeu, mas vai dar-lhe oportunidade de regeneração e reparação do mal, até que reconquiste a paz e se torne feliz. Assim, não existe perdição eterna, pois pensar nestes termos é contrariar tudo que Jesus ensinou. O Espiritismo pode explicar como isso acontece através da reencarnação, pois a cada vida na Terra temos novas oportunidades de nos recompor e melhorar, até que cheguemos à própria perfeição moral.
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