Foram 300 anos de exploração, violência, dores e amores que, certamente, gerou não só dívidas coletivas, mas também individuais para os pioneiros que ajudaram a construir a nação brasileira. Historiadores, por outro lado, consideram que o braço cativo foi o elemento propulsor da nossa economia. Caçados, aprisionados, transportados acorrentados em porões de navios infectos, vendidos em lotes ou individualmente como mercadoria a que se atribuía valor pela dentição ou massa muscular, tratados como animais capazes de gerar crias, castigados cruel e selvagemente, às vezes morriam em função das agressões físicas a que eram submetidos. Fêmeas, como eram tratadas, vítimas de estupros, tinham seus filhotes separados para venda, mal nasciam. Oriundos do Continente Africano estima-se chegassem ao Brasil em torno de 130 mil anualmente, procedentes de Luanda e Benguela, Congo, Guiné Moçambique. Entre seis e nove milhões em três séculos. Como sabemos, a interpretação da Lei de Causa e Efeito explica que além das transgressões cometidas pelo indivíduo, há aquelas que podem ser assumidas por uma família, uma nação, uma raça, ao conjunto de habitantes dos mundos, os quais formam individualidades coletivas.. A mediunidade em nossa Dimensão, tem contribuído para o reequilíbrio de muitas criaturas presas a fatos por elas gerados durante a referida época. Na incalculável legião de necessitados que o abordaram ao longo das décadas em que serviu ao próximo em nome do Espiritismo, Chico Xavier, se fez instrumento para que muitos casos dolorosos e enigmáticos pudessem ser avaliados sob a ótica de Lei de Causa e Efeito. Dentre os que ficaram registrados em livro, selecionamos alguns, que apresentaremos começando pelo Efeito, remontando a Causa. CASO 1 – EFEITO – Menino, 10 anos, mudo, conduzido pela mão pelo pai, acometido por convulsões intermitentes epilépticas. CAUSA – Ações em encarnação anterior, em que ele, senhor de escravos, se comprazia em exercitar sua crueldade na boca dos cativos, aplicando ferro em brasa na boca dos coitados. Os acessos que tem são provocados pelo aflorar das lembranças das surras e castigos impostos aos escravos. CASO 2 – EFEITO – Mulher, cujo corpo era acometido de estranha moléstia que lhe impunha constantes cirurgias pelo aparecimento nos tendões nervosos, vermes, provocando-lhe dores atrozes, até serem extraídos pelas operações. CAUSA - Em vida passada, rica fazendeira, ao perceber a atração de seu marido por escrava moça recem comprada, roída pelo ciúme, a enclausurou num dos quartos da Fazenda, em lugar ermo, deixando-a morrer de fome e sede. Localizado o quarto, dias depois, pelo mau cheiro exalado, aberta a porta, foi encontrado o corpo da bela escrava todo coberto de vermes. CASO 3 – EFEITO – Homem, braço direito deformado com uns babados de carne mole, arroxeada, esquisita, mais parecendo um açoite enrolado, cheio de nós. CAUSA – Ações praticadas em encarnação anterior em que na condição de capataz, açoitou uma infinidade de escravos, levando muitos ao desencarne, por sua impiedade. Na existência atual, traz no braço o que lhe está no Espírito, um eco dos açoites irados que deu, impondo sofrimentos indescritíveis nas suas vítimas, que experimentará com o endurecimento gradual dos tais babados que se converterão num câncer que o ajudará a se livrar da culpa que carrega.CASO 4 – EFEITO - Três moças tratadas nos trabalhos de desobsessão no Centro Espírita Luiz Gonzaga, em Pedro Leopoldo (MG), uma das quais tinha o estranho hábito de mastigar vidros, o que deixava os anfitriões que as hospedavam em sua casa, assustados e preocupados. CAUSA – Tratamento impiedoso aplicado a escravos de sua propriedade em vida anterior. Como ”Sinhás” da fazenda, usavam a força e o poder através de cruéis capatazes. Uma delas, por motivo fútil, fez enterrar um escravo – o Espirito que se manifestava – deixando apenas a cabeça de fora, mandando a besuntassem com mel, a fim de atrair insetos, onde permaneceu sozinho, em intermináveis sofrimentos, até encontrar a morte. Nas horas finais, em desespero ele clamava: “- Sinhá! Se existe alma depois desta vida, eu vou me vingar”, convertendo-se a jura, atualmente, na forte obsessão que acometera as três jovens...
Minha dúvida é a seguinte: a pessoa que faz o bem deve ter mais proteção do que a pessoa que faz o mal. Pelo menos é o que a gente lê nas obras espíritas. Mas essa regra parece que não funciona na prática, porque vejo pessoas boas sofrerem muito e pessoas, que exploram os outros, serem bem sucedidas. Queria uma explicação. (Jorge Antonio)
Esta questão do Jorge foi bem formulada, mas do ponto de vista de quem considera que a vida é uma única e não existe outra, que nascemos, vivemos, morremos e vamos para o mundo espiritual com algum destino definitivo que Deus nos dá, sem precisar voltar à Terra. De fato, se assim consideramos a vida, do ponto de vista da unicidade da existência, não há sentido no fato de uma pessoa de bom caráter, de boa formação, bondosa e generosa, vir a sofrer. É uma conclusão lógica.
Porém, do ponto de vista espírita, a realidade é outra. Aliás, quem crê numa única vida aqui na Terra jamais explicaria a Justiça de Deus diante do fato de crianças que nascem na miséria ou doentes, que nascem limitadas e deficientes e assim ficam o resto de suas vidas, sendo muitas delas morrem muito cedo. Porque algumas morrem no ventre materno e nem chegam nem mesmo a nascer? Se são Espíritos, criados por Deus – e, portanto, se são igualmente filhos de Deus como nós ( não viveram antes e não têm pecados a expiar) - por que elas mereceriam tal sorte neste mundo, enquanto outras nascem belas e saudáveis, muitas vezes cercadas de toda atenção e carinho?
Com certeza, não há um sofrimento tão grande e tão comovente – e os pais que perderam filho criança podem atestar isso com mais conhecimento - quanto o de uma criancinha que só veio a esta vida para sofrer, pois os poucos dias que permaneceu na Terra foram apenas de agonia e dor. Se não aceitarmos a realidade da reencarnação e o fato de que nada nesta vida acontece por acaso – nem a agonia das crianças, nem o sofrimento de seus pais – não há como nos conformar de que Deus seja bom e sábio, amoroso e misericordioso, e nem mesmo que Ele seja justo, pois a justiça consiste em dar um tratamento igualitário a todos.
Allan Kardec, n’O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, capítulo 5, cuidando especificamente deste tema, fala das causas atuais e das causas anteriores de nossas aflições, dando a entender, de uma maneira geral, que a maioria dos problemas que conhecemos nesta vida podem decorrer de nossa conduta na presente encarnação. Quando o sofrimento não puder ser explicado por fatos que ocorrem agora é porque eles provém de vidas anteriores. No entanto, uma coisa é certa: como todo efeito tem causa , os bons atos, as boas atitudes sempre concorrem para o nosso bem estar, enquanto os maus atos e atitudes, invariavelmente, vão nos causar sofrimento. Não é preciso ir longe para entender essa lei, pois temos visto e aprendido que a lei de causa e efeito está sempre presente no dia a dia de nossa vida
O fato de uma pessoa ser honesta, responsável e fraterna – por exemplo – concorre para que ela evite sofrimentos ou atenue os sofrimentos de que já vinha padecendo. Não sabemos, de antemão, o quanto uma pessoa de bem ainda tem para resgatar de seu passado, quantos problemas de vidas anteriores ainda não foram resolvidos, apesar de seu bons atos. Mas sabemos que, neste caso, essa pessoa está a caminho de sua libertação, pois a sua dívida pode ser grande e suas ações atuais funcionam como prestações com o que ela está procurando amortiza-la. Se o sofrimento não chegou ao fim, neste caso, é porque o problema ainda não foi resolvido. Podemos compará-la ao paciente, ainda em tratamento no hospital, mas que ainda não recebeu alta médica.
Além do mais, Jorge, devemos considerar, ainda, que o desconforto ou o sofrimento pelo qual uma pessoa está passando, principalmente se for uma pessoa de bem, pode não provir apenas de dívidas que contraiu no passado, mas de prova ou missão que escolheu, a fim de conseguir elevar-se espiritualmente. Os Espíritos, que reencarnam na Terra, não passam somente por expiações ( ou pagamento de dívidas morais), eles passam também por provas e missões. Geralmente, os missionários são Espíritos bons que escolheram suas missões, como sacrifícios pessoais, aos quais se entregam para contribuir com a humanidade.
André Luiz, com muita propriedade, através de inúmeros relatos de experiências dolorosas, ainda acrescenta a essas causas da dor o que ele chama de dor-evolução. O que seria dor-evolução? É o desconforto que todos passam para aprender ou para vencer etapas de seu desenvolvimento. Neste sentido, todos temos dor-evolução, porque a vida ensina e, quase sempre, aprendemos mais com as situações difíceis ou sofridas do que com os lances mais tranquilos. Aliás, os animais – que não conhecem provas e expiações, porque não têm vida moral – experimentam apenas a dor-evolução, que faz parte de sua jornada evolutiva.
Portanto, Jorge, na condição espiritual em que se encontra a humanidade, todos passamos por provas e expiações, por tarefas e missões, de modo que o sofrimento se manifesta em cada um, mas em cada um ele se manifesta de uma forma própria, peculiar, porque os bons – sejam quais forem os obstáculos que enfrentam – seguramente sofrem menos do que os que se revoltam, porque não conseguiram atingir um nível mais elevado de compreensão das leis da vida.
Quanto aos maus é a mesma coisa. Eles também sofrem e, para eles, o sofrimento moral é bem maior do que o dos bons, porque os bons não têm o que se lamentar de si. Desse modo, todos os maus sofrem, embora aqueles que se entregam à maldade, que praticam atos de violência no mundo da criminalidade, procuram disfarçar suas angústias e seus conflitos, para não parecerem fracos diante de todos.
Todos, porém, são filhos de Deus, Jorge, e contam com alguma proteção. Mas como Deus, na sua infinita sabedoria e bondade, nos respeita a todos igualmente, Ele espera que cada um de nós, ao longo de suas experiências reencarnatórias, vá descobrindo por si mesmo que o único caminho que leva à paz e à felicidade é o caminho do amor, para o qual, mais cedo ou mais tarde, todos se voltarão. O bom Pai jamais abandona seus filhos.
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