Embora o turbilhão de notícias sobre a violência tenha ocultado os fatos, a verdade é que a memória recente de quem se sentiu estarrecido diante dos acontecimentos ainda não apagou a suposta eliminação da própria família por um menino de 13 anos num dos bairros da capital paulista em 2013, ou a daquele outro de 10 anos que em São Caetano do Sul (SP), em 2011, após retornar do banheiro da escola, atirou na professora perante 25 colegas, saiu da sala e, numa escada próxima, suicidou. Como entender que duas criaturas nem bem saídas da infância sejam capazes de ações tão violentas contra pessoas que deveriam no mínimo respeitar? Teria sido a personalidade de sua existência atual tão mal formada a ponto de não revelarem sentimentos ou se perturbarem irracionalmente diante de situações que consideravam injustas e insuportáveis? Perguntas de resposta difícil até pela falta de dados realmente confiáveis do histórico recente dos personagens envolvidos. Admitida a reencarnação como um fato, teria o passado remoto algo a ver com desdobramentos tão surreais? Perpassando um dos volumes da coleção da REVISTA ESPÍRITA publicada por iniciativa e com recursos do próprio Allan Kardec no período 1858/1869, especificamente no numero de dezembro de 1859, encontra-se o Boletim da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas referente à sessão geral de 30 de setembro daquele ano, uma sexta feira. Entre os assuntos que ocuparam a pauta cumprida pelos presentes, informações a respeito de uma notícia veiculada por vários jornais de Paris, sobre o assassínio cometido por um menino de sete anos e meio, com premeditação e todas as circunstâncias agravantes. Segundo comentário de Allan Kardec, o fato provava que nesse menino o instinto assassino inato não pode ser desenvolvido nem pela educação, nem pelo meio em que se encontrava. Considera ele que isto não pode explicar-se senão por um estado anterior à existência atual. Buscou então ouvir o Espírito São Luiz, responsável pelas reuniões levadas a efeito naquele grupo que explicou o seguinte: -“O Espírito do menino está quase no início do período humano; não tem mais que duas encarnações na Terra; antes de sua existência atual pertencia às tribos mais atrasadas de ilhas espalhadas pelo Planeta. Quis nascer num mundo mais adiantado, na esperança de progresso”. A observação suscita uma reflexão interessante: vivia-se o décimo nono século da chamada Era Cristã e, pelo que revela a questão 1019 d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS e o 18 da obra A GÊNESE, a Terra passava desde um século e meio antes por um ciclo de ajuste no tocante à população a ela ligada tendo em vista a elevação do orbe terreno na classificação explicada nas análises incluídas no capítulo 3 d’O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. Nelas, o Codificador dedica-se a interpretar o HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI, afirmação atribuída a Jesus por João no capítulo XIV, versículo 1, do seu Evangelho, arriscando uma classificação dos Mundos, situando a Terra na categoria dos de Expiações e Provas, aqueles em que o mal predomina pela condição evolutiva dos seres que nela habitam. E no caso do autor do crime, ele não tinha mais que duas encarnações no planeta terreno. Mais à frente, mensagem psicografada por Santo Agostinho afirma que “não são todos os Espíritos encarnados na Terra que se encontram em expiação, constituindo-se as raças que chamamos selvagens de Espíritos apenas saídos da infância, que estão, por assim dizer, educando-se e desenvolvendo-se ao contato de Espíritos mais avançados”. Quanto a esse enfoque num de seus esclarecedores textos, Kardec estabelece interessante comparação lembrando que aquele que renasce em nossa Dimensão em apenas dois dias de existência não tem noção clara da realidade que o cerca, percepção que somente alcançará após mais de uma década de desenvolvimento no corpo a que se ligou na nova reencarnação com que trabalha pelo seu progresso espiritual. Os Espíritos recém elevados à condição humana consomem em tese o mesmo tempo ou número de encarnações para começar a ter consciência de suas responsabilidades perante a Criação. Finalizando a consulta, Allan Kardec perguntou à São Luiz se a educação poderia modificar essa natureza, obtendo a seguinte resposta: -“É difícil, mas possível. Seria preciso tomar grandes precauções, cerca-lo de boas influências, desenvolver a sua razão, mas é de temer que se fizesse exatamente o contrário”.
Para onde vai o espírito do doente mental que matou as crianças em Janaúba, Minas Gerais? Mesmo sendo doente mental, ele vai responder diante de Deus?
Mesmo acometido de um transtorno mental, o indivíduo que comete um assassinato, sempre responde pelo mal em razão do sofrimento que causou. Primeiro, porque sua doença não veio do nada; devem ter havido antecedentes que causaram essa enfermidade e que podem estar ligados a comprometimentos do passado, desta ou de outras encarnações. Logo, seu ato já é consequência dos caminhos que trilhou. É o mesmo caso de uma pessoa que, embriagada, assume a direção de um veículo, e acaba causando vítimas, quando ela mesma não morre no acidente. Não podemos apenas justificar seu ato, pois ele aconteceu em decorrência de erros anteriores.
Em segundo lugar, devemos considerar que a agressividade do doente mental, nesse caso de Janaúba, também não veio nasceu do acaso. Por outro lado, Deus não poderia causar-lhe essa doença para matar crianças ou quem quer que fosse; a enfermidade mental deve decorrer da propensão do próprio Espírito à violência - no caso, à violência contra crianças, uma raiva reprimida, que eclodiu de forma destruidora e cruel. Em terceiro lugar, não podemos deixar de considerar a ação de Espíritos mal intencionados aos quais o incendiário estava ligado por afinidade de sentimentos.
Porém, do ponto de vista moral, nada justifica a violência, embora nas condições morais precárias em que ainda nos encontramos na Terra, às vezes a violência se torna inevitável. Foi o próprio Jesus quem disse: “É necessário que venha o escândalo; mas ai da pessoa por quem o escândalo vier”. Essa assertiva caberia nesse caso. Contudo, a tragédia nos abala profundamente como pessoas humanas e sensíveis que somos (imaginem as famílias dessas crianças!) , pois ainda não compreendemos por que um fato dessa natureza, muitas vezes, se torna indispensável à evolução dos Espíritos.
Nessa aparente contradição o que funciona mesmo é a Lei de Deus ou Lei Natural. Uma pessoa que não tem conhecimento espírita, diante de uma tragédia dessa dimensão, tem dificuldade de compreender por que Deus permitiria que crianças inocentes fossem sacrificadas por um homem fora de controle e vítima de um transtorno mental grave. Para onde vão essas crianças que não tiveram, sequer, tempo para tomar consciência do que é a vida e assumir seus próprios atos? E para onde vai o homem que nem tem como ser punido pela justiça humana?
No mundo espiritual, as vítimas sempre levam vantagem sobre seus algozes, e neste caso mais ainda, por serem crianças. Em situações como essas, elas são recolhidas por Espíritos encarregados de atender as crianças e são encaminhadas para tratamento. É claro que as crianças, de um modo geral, contam com uma proteção especial, principalmente quando são vítimas de tragédias. Elas terão chance de se refazer e, conforme a trajetória espiritual de cada uma, retomarão seus caminhos como Espíritos para futura encarnação.
Quanto ao autor da tragédia, o que virá depois depende do que como veio agindo longo de sua trajetória espiritual. Ao que tudo indica, ele deve ter algo ver no passado com as vítimas de hoje e, após tratamento devido, terá que se haver diante delas para ressarcir seus débitos morais. No cômputo geral, quanto mais sofrimento causa o Espírito, mais necessidade de encarnações ele tem e, geralmente, são experiências dolorosas.
Precisamos compreender, entretanto, que por maior o estrago que causamos, em prejuízo dos outros e em nosso próprio prejuízo, todos somos filhos de Deus e ninguém escapa da lei de evolução. O assassino de ontem pode ser o homem de bem de hoje, pois, todos somos passíveis de mudança e aperfeiçoamento moral, através das múltiplas experiências, mais ou menos sofridas, que as leis da vida nos impõem. Por isso, Jesus deixou claro que Deus ama todos os seus filhos e, como todos somos irmãos, devemos amar até mesmo os inimigos.
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