Observa-se nesses tempos de comunicação rápida e fácil, grande quantidade de mensagens ditas espirituais tratando de posicionamentos diante das turbulências sociais típicas de uma fase de transição, aliás, como previstas no capítulo 18 do livro A GÊNESE, de Allan Kardec. Muitos se empolgam com seus conteúdos geralmente óbvios para os que estudam as crises da Humanidade da Terra sob o ponto de vista do Espiritismo. Fatos desse tipo, não eram incomuns ao tempo do surgimento da Doutrina Espírita. No número de julho de 1860 da REVISTA ESPÍRITA, Kardec analisa um caso, apresentando orientações sobre critérios que ele julga validos e dos quais extraímos algumas orientações sobre os ‘falsos profetas’ e os médiuns que os servem. Diz o Mestre: -“O que ainda é próprio desses Espíritos orgulhosos é a espécie de fascinação que exercem sobre seus médiuns, por meio da qual algumas vezes os fazem compartilhar dos mesmos sentimentos. Dizemos de propósito seus médiuns, porque deles se apoderam e neles querem ter instrumentos que agem de olhos fechados. De maneira alguma se acomodariam a um médium perscrutador ou que visse bem claro. Não se dá também o mesmo entre os homens? Quando o encontram, temendo que lhes escape, lhe inspiram o afastamento de quem quer que o possa esclarecer. Isolam-no de certo modo, a fim de poderem agir com inteira liberdade, ou só o aproximam daqueles de quem nada têm a temer. E, para melhor lhes captar a confiança, se fazem de bons apóstolos, usurpando os nomes de Espíritos venerados, cuja linguagem procuram imitar. Mas, por mais que façam, jamais a ignorância poderá simular o verdadeiro saber, nem uma natureza má a verdadeira virtude. O orgulho sempre se mostrará sob o manto de uma falsa humildade; e porque temem ser desmascarados, evitam a discussão e afastam seus médiuns. Entre os numerosos escritos publicados sobre o Espiritismo, sem dúvida alguns poderiam ensejar uma crítica fundada; mas não os pomos todos na mesma linha; indicamos um meio de os apreciar e cada um fará como entender. (...) A base de nossa apreciação: esta base será a lógica, da qual cada um poderá fazer seu próprio uso, pois não alimentamos a tola pretensão de lhe ter o privilégio. A lógica, com efeito, é o grande critério de toda comunicação espírita, como o é de todos os trabalhos humanos. Sabemos perfeitamente que aquele que raciocina de maneira errada julga ser lógico. Ele o é à sua maneira, mas apenas para si e não para os outros. Quando uma lógica é rigorosa como dois e dois são quatro, e as consequências são deduzidas de axiomas evidentes, o bom-senso geral cedo ou tarde faz justiça a todos esses sofismas. Acreditamos que as proposições seguintes têm este caráter: 1- Os Espíritos bons não podem ensinar e inspirar senão o bem; assim, tudo que não é rigorosamente bem não pode vir de um Espírito bom; 2- Os Espíritos esclarecidos e verdadeiramente superiores não podem ensinar coisas absurdas; assim, toda comunicação eivada de erros manifestos ou contrários aos dados mais vulgares da ciência e da observação, só por isso atesta a inferioridade de sua origem.
A propósito do “Dia de Finados”, a Antonia Maria Rodrigues, ouvinte da Rua José Rosário, pede comentário sobre a fala de Jesus que diz: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos”. O que Jesus quis dizer com isso?
A citação, a que a Antonia se refere, está em Lucas, capítulo 9, versículos 59 e 60: “Jesus disse a um outro: Segue-me. Mas ele respondeu: Senhor, permita-me, antes, ir enterrar meu pai. Jesus lhe respondeu: “Deixa que os mortos enterrem os mortos, mas tu venha anunciar o reino de Deus”.
Kardec faz uma análise interessante desta e de outras citações, que parecem contrariar o sentimento de respeito, de afeto e de carinho que todos devemos ter para com nossos familiares. Será que Jesus pensava realmente assim? Kardec acha que não. Ele enfeixa essas citações contraditórias num interessante capítulo de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, que denominou “Estranha Moral”. Vale a pena ler com atenção esse capítulo para se entender melhor o sentido alegórico das palavras de Jesus.
A verdade é que, em nome da razão e do bom senso, não devemos interpretar todas as citações dos evangelhos – e muito menos da Bíblia – ao pé da letra. A expressão “ao pé da letra” quer dizer palavra por palavra, com o sentido comum se dá à palavra. Há uma série de razões para que procuremos buscar a essência de toda mensagem, principalmente daquelas que fazem parte de um texto tão antigo quanto a Bíblia, escrito e reescrito em línguas diferentes e passando por toda espécie de tratamento.
“Deixa que os mortos enterrem seus mortos” – se tomada ao pé da letra ( ou seja, se interpretado pelo sentido literal de cada palavra), por si só, já constitui uma enorme contradição – para não dizer um verdadeiro absurdo. É claro que os mortos não podem enterrar ninguém, pois, evidentemente estão mortos. Os mortos – a que Jesus se refere, não são os mortos do corpo, mas os doentes do espírito, até porque o Espírito não morre e tampouco o corpo lhe pertence.
Nessa frase – atribuída a Jesus – está apenas e tão somente um princípio fundamental de sua doutrina de amor, segundo o qual devemos dar mais valor às coisas espirituais do que às materiais. É uma questão de prioridade. Por isso, Jesus está convidando uma pessoa a integrar o grupo de divulgadores da Boa Nova, mas essa pessoa não pode ser alguém que esteja mais interessada em valores materiais do que em valores espirituais.
Evidentemente, Jesus – que ensinou o amor incondicional, não poderia estimular o desprezo aos valores da família, muito menos a desconsideração para com o corpo do pai, que merece ser sepultado com dignidade. Essa frase que deveria ser imortalizada na História, não significa, portanto, a indiferença do filho para com o corpo do pai. Ela apenas veio para reforçar a idéia de que os trabalhadores do bem não podem dar preferência às coisas materiais em prejuízo das espirituais.
Precisamos entender que a linguagem de Jesus era toda espiritual; portanto, alegórica ou cheia de simbolismo. Ele costumava fazer comparações com as coisas do dia a dia das pessoas, a fim de que seus ouvintes pudessem penetrar mais fundo sua mensagem. Mas, se formos dar o sentido comum a essas palavras que lhe são atribuídas, com certeza, vamos encontrar grandes contradições com sua doutrina.
Para nós, Antonia, que vivemos neste século cheio de convites ao comodismo e ao materialismo, resta refletir sobre a profundidade dessa afirmação. Quando convidamos alguém a praticar uma boa ação ou a dar uma participação consciente em favor do próximo (ou seja, anunciar o Reino de Deus, na linguagem de Jesus), muitas vezes, ouvimos apenas uma desculpa, um pretexto para não vir, preferindo permanecer na sua zona de conforto ao invés de dar um pouco de si pelo bem da humanidade. Foi isso que Jesus quis dizer.