-“Existem duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações, e a doutrina filosófica, a primeira se utilizando do médium que fez pelo Mundo Invisível o mesmo que o microscópio pelo mundo dos infinitamente pequenos e, a segunda, consequente das revelações sobre o primeiro”, podemos concluir de escritos de Allan Kardec em textos por ele elaborados. No tempo em que lhe foi possível, o iniciador das pesquisas sobre essa realidade extraordinária que precede e sucede a nossa, procurou avançar em todas as frentes. Uma das com que pretendia confirmar a existência do Espírito a comandar o corpo físico, foi a comunicação entre os chamados vivos, através da mediunidade cujas descrições e relatos muito interessantes podem ser obtidos na publicação periódica mantida entre os anos 1858/1869 demonstrando, por exemplo, a lucidez do portador de deficiências mentais, bloqueado em sua possibilidade de expressão por restrições meramente fisiológicas. Algumas analisadas a partir de correspondência por ele recebida de outros pesquisadores também empenhados no aprofundamento dos temas espirituais. Na REVISTA ESPÍRITA, edição de janeiro de 1865, encontramos um caso. Trata-se da contribuição de um membro da Sociedade Espírita de Paris, o Sr. Rul reportando experiência levada a efeito em 1862 com um jovem surdo-mudo de doze a treze anos. Segundo ele, desejoso de fazer uma observação, perguntou aos guias protetores se seria possível evocá-lo e, tendo resposta afirmativa, fez o rapaz vir ao seu quarto e instalou-o numa poltrona, com um prato de uvas, que ele se pôs a devorar. Por sua vez, postou-se diante de uma mesa, orou, e, como de hábito fez a evocação. Ao cabo de alguns instantes sua mão estremeceu, escrevendo: -“Eis-me aqui”. Olhou o menino. Estava imóvel, os olhos fechados, calmo, adormecido, com o prato sobre os joelhos. Tinha cessado de comer. Perguntando-lhe onde estava, ouviu que “em vosso quarto, em vossa poltrona”. Indagado sobre a razão de ser surdo mudo de nascença, respondeu ser uma expiação de crimes passados, na condição de parricida. Questionado sobre se sua mãe, a quem amava tão ternamente, não teria sido ou mesmo seu pai, na existência de que falava, o objeto do crime cometido, silenciou, a mão ficou imóvel, vendo, ao olhar para o menino que acabava de despertar, voltando a comer as uvas com apetite. Pedindo aos Guias Espirituais que explicassem o que acabava de acontecer, explicaram: -“Ele deu os ensinamentos que desejavas e Deus não permitiu que te desse outros”. Comentando o material recebido, Allan Kardec pondera: -“Faremos outra observação a respeito. A prova da de identidade resulta do sono provocado pela evocação, e da cessação da escrita no momento de despertar. Quanto ao silêncio guardado na última pergunta, prova a utilidade do véu lançado sobre o passado. Suponhamos que a mãe atual desse menino tenha sido sua vítima em outra existência, e que este tenha querido reparar seus erros pela afeição que lhe testemunha: a mãe não seria dolorosamente afetada se soubesse que seu filho foi seu assassino? Sua afeição por ele não ficaria alterada? Foi-lhe permitido revelar a causa da enfermidade, como assunto de instrução, a fim de nos dar uma prova a mais que as aflições daqui tem uma causa anterior, quando não esteja na vida presente, e que assim tudo é segundo a justiça. Mas o resto era inútil e teria podido chegar aos ouvidos da mãe. Por isto os Espíritos o despertaram, talvez no momento em que ia responder. (...). Deve concluir-se que todos os surdos-mudos tenham sido parricidas? Seria uma consequência absurda, porque a Justiça de Deus não está circunscrita em limites absolutos, como a Justiça humana. Outros exemplos provam que esta enfermidade por vezes resulta do mau uso que o indivíduo tenha feito da faculdade da palavra. Mas perguntarão: a mesma expiação para duas faltas tão diferentes na sua gravidade, é de justiça? Os que assim raciocinam ignoram que a mesma falta oferece infinitos graus de culpabilidade, e que Deus mede a responsabilidade pelas circunstâncias? Aliás, que sabe se esse menino, supondo seu crime sem escusas, não sofreu duro castigo no Mundo dos Espíritos, e se seu arrependimento e seu desejo de reparar não reduziram a expiação terrena a uma simples enfermidade? Admitindo, a título de hipótese, pois o ignoramos, que sua mãe atual tenha sido sua vítima, se não mantivesse com ela a resolução de reparar sua falta pela ternura, é certo que um castigo mais terrível o esperaria, quer no Mundo dos Espíritos quer numa nova existência. A Justiça de Deus jamais falha e, por ser às vezes tardia, nada perde por esperar. Mas Deus, em sua Infinita Bondade, jamais condena de maneira irremissível, e sempre deixa aberta a porta do arrependimento. Se o culpado demora a aproveitá-lo, sofrerá por mais tempo. Assim, dele depende abreviar seus sofrimentos. A duração do castigo é proporcional à duração do endurecimento. É assim que a Justiça de Deus se concilia com sua bondade e seu amor às criaturas”.
Esta foi mais uma questão proposta durante a realização do último Pinga-Fogo, na cidade de Gália no início deste ano. “Como os espíritos desencarnados de culturas diferentes, por exemplo os orientais, se ajustam no Plano Espiritual, segundo o evangelho de Jesus Cristo?”
Relatos trazidos por André Luiz, pela mediunidade de Chico Xavier, mostram que a convivência ou as relações entre os Espíritos no plano espiritual são semelhantes às relações dos homens na Terra. Assim como aqui entre diferentes povos e países, há culturas diferentes, que se revelam através de seus usos, costumes e tradições, elas também se manifestam no mundo dos Espíritos. Kardec deixou bem claro, desde a época da codificação, que os Espíritos desencarnados nada mais são do que os homens e mulheres que viveram na Terra. A morte não muda substancialmente as pessoas, nem no seu caráter e nem tampouco seus valores culturais.
André Luiz deixa claro que os desencarnados, como aqui, costumam se reunir em comunidades que trazem algo em comum, como o idioma, a religião, a arte, as indumentárias e os diversos implementos que fazem parte da cultura de cada povo. Desse modo devem existir comunidades orientais, ocidentais, aborígenes, etc. No entanto, assim como na Terra as culturas, apesar das tradições, continuam evoluindo, principalmente em razão do contato entre os diferentes povos, o mesmo está acontecendo no plano espiritual: os Espíritos de diferentes culturas podem se encontrar e até conviver.
No Brasil, há um século atrás, havia uma separação acentuada entre diferentes comunidades, dependendo de sua origem: afrodescendentes, indígenas, europeus, asiáticos. Temos ainda, em nosso pais, alguns núcleos com traços culturais bastante acentuados, verdadeiros bolsões culturais, como acontece no sul com povos que vieram de várias procedências da Europa. Os contatos que eles acabam tendo com a sociedade, no entanto, vão fazendo com que essas diferenças vão diminuindo e intensificando o processo de miscigenação – ou seja, de cruzamento de tipos humanos e valores culturais.
Com o tempo, a mestiçagem vai ocorrer, cada vez mais intensidade e, todo o mundo, e a tendência da cultura – embora guardando certos traços típicos de cada povo – é se universalizar, fenômeno que estamos constatando hoje em dia. O mesmo se dá no plano espiritual, pois as idéias e os sentimentos vão se universalizando, tendendo à uma espécie de unificação, por mais que certos grupos ainda procurem resistir. Mensageiros da paz e do amor - como Jesus, Buda, Gandhi, Maomé, Lao Tsé – continuam liderando o movimento que deve impulsionar a evolução da humanidade, tanto encarnada quanto desencarnada.
Logo, não é difícil concluir, caro ouvinte, que os princípios morais, que norteiam o evangelho de Jesus, são da mesma ordem daqueles que, nos diferentes povos e ao longo de toda a história, vieram instruindo os homens de todos os lugares e origens, malgrado as diferenças culturais. Entre esses grandes líderes que acabamos de citar, por exemplo, o amor é a base e o objetivo de todo ensinamento, pois todos eles, desde épocas remotas, estão trabalhando pela paz no mundo e pela confraternização universal.
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