Naturalmente, a resposta à questão 459 – os Espíritos influenciam em vossos pensamentos e atos muito mais que imaginais e, invariavelmente são eles que vos conduzem -, d’O LIVRO DOS ESPÍRITOS, abriu caminho para diversas reflexões e deduções de Allan Kardec, posteriormente referendadas pela Equipe Espiritual que o assessorava ou confirmadas pelos inúmeros relatos a ele enviados por leitores e correspondentes de várias partes da Europa e Norte da África. Tal revelação possibilita a compreensão de muitos fatos observados ao longo da História da Humanidade. Em 1969, o erudito espírita Wallace Leal Rodrigues assinou o prefácio de obra por ele traduzida do original organizado pela União Espírita da Bélgica intitulada A OBSESSÃO, segundo consta na folha de rosto, empresa em francês com a aprovação do próprio Espírito de Allan Kardec em comunicação datada de seis de setembro de 1950. O livro consiste numa compilação de artigos publicados ao longo de vários anos nos números da REVISTA ESPÍRITA, abordando vários aspectos do fenômeno a que todos estamos expostos. Compulsando-lhe as páginas, recolhemos alguns dados interessantes que reproduziremos a seguir para ampliação do nosso entendimento do problema: 1- O homem que vive em meio ao Mundo Invisível está incessantemente submetido a essas influências, do mesmo modo que às da atmosfera que respira. 2- Essa influências se traduzem por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta e que, frequentemente, atribui a causas inteiramente contrárias. 3- Essas influências diferem, naturalmente, segundo as boas ou más qualidades do Espírito. Se ele for bom e benevolente, a influência será agradável e salutar; como as carícias de uma terna mãe, que toma o filho nos braços. Se for mau e perverso, será dura, penosa, de ânsia e por vezes perversa: não abraça – constringe. 4- Vivemos num oceano fluídico, incessantemente a braços com correntes contrárias, que atraímos ou repelimos, e às quais nos abandonamos, conforme nossas qualidades pessoais, mas em cujo meio o homem sempre conserva o seu livre arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o caminho. 5- Isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica, tal qual esta é vulgarmente compreendida. 6- Estando a ação do Mundo Invisível, na ordem das coisas naturais, ele se exerce sobre o homem, abstração feita de qualquer conhecimento espírita. Estamos a ela submetidos como o estamos à ação da eletricidade atmosférica, mesmo sem saber física, como ficamos doentes, sem conhecer medicina. 7- Assim como a física nos ensina a causa de certos fenômenos e a medicina a de certas doenças, o estudo da ciência espírita nos ensina a dos fenômenos devidos às influências ocultas do Mundo Invisível e nos explica o que, sem isto, perecerá inexplicável. 8- A ação dos maus Espíritos, sobre as criaturas que influenciam, apresenta nuanças de intensidade e duração extremamente vaiadas, conforme o grau de malignidade e de perversidade do Espírito e, também, de acordo com o estado moral da pessoa, que lhe dá acesso mais ou menos fácil. Por vezes, tal ação é temporária e acidental, mais maliciosa e desagradável que perigosa. 9- A mediunidade é o meio direto de observação. O médium – permitam-nos a comparação – é o instrumento de laboratório pelo qual a ação do mundo invisível se traduz de maneira patente. E, pela facilidade oferecida de repetição das experiências, permite-nos estudar o modo e as nuanças desta ação. Destes estudos e observações nasceu a ciência espírita. 10- Todo individuo que, desta ou daquela maneira, sofre a influência dos Espíritos, é, por isto mesmo, médium. Por isso pode dizer-se que todo mundo é médium. Mas, é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chegou a constatar a existência do Mundo Invisível e, pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas, que foi possível esclarecer a qualidade dos seres que o compõem e o papel que representam na natureza. O médium fez pelo Mundo Invisível o mesmo que o microscópio pelo Mundo dos infinitamente pequenos”.
Na questão 646 de O Livro dos Espíritos, encontramos o seguinte: "O mérito do bem que se faz está subordinado a certas condições, ou seja, há diferentes graus no mérito do bem? Resposta: “O mérito do bem que se faz está na dificuldade; não há nenhum em fazê-lo sem penas e quando nada custa. Deus leva mais em conta o pobre que reparte o seu único pedaço de pão que o rico que só dá do seu supérfluo. Jesus já o disse, a propósito do óbolo da viúva.” Sobre esta questão, percebo que, em várias pessoas, ainda subsiste uma cultura do sofrimento, talvez resquícios da época em que havia o entendimento da troca de favores com Deus. É como se Deus dissesse: "Dê seu sofrimento que Eu dou o que você quer...". Pagar promessas, a meu ver, se enquadra nesse tipo de raciocínio. Mas já vi isso também dentro do meio espírita. (Giuliana)
Você tem razão quando atribui essa crença de troca favores com Deus a um processo cultural. Quando falamos em “cultura”, estamos nos referindo às crenças que se consolidaram ao longo de séculos e milênios de história, quando nossos conhecimentos sobre as leis da vida eram ainda muito acanhados. Tudo leva a crer que a idéia de Deus e, consequentemente, a própria religião (não estamos falando desta ou daquela religião, mas das religiões em geral) nasceram do sofrimento, das dificuldades e do medo de o homem enfrentar as agruras da natureza e as adversidades da vida.
Assim, não é difícil imaginar que, na infância da humanidade - quando o ser humano lutava para sobreviver em meio às intempéries da natureza – enfrentando tempestades, enchentes, secas e epidemias avassaladoras, ou qualquer outro fator que o ameaçasse - ele interpretava esses fatos como sobrenaturais, como uma forma de que Deus se valia para castigá-lo pela sua desobediência. É por isso que as religiões mais antigas ofereciam tantos sacrifícios às suas divindades. Esses sacrifícios podiam ser oferecimento de vidas, de plantas, de animais e até mesmo de pessoas.
O sacrifício era uma forma de expressar submissão e, portanto, ele se confundia com o sofrimento. Quanto mais o homem sofresse, mais Deus ficava satisfeito e se regozijava com isso. Acreditava-se que os ritos, os cerimoniais de adoração, revestidos de sacrifícios, eram o bastante para aplacar a ira de Deus e demonstrar que Ele continuava a ser venerado por todos. Se o ouvinte quiser se certificar disso, basta ler o 5º livro da Bíblia, o Levítico, e ali vai encontrar inúmeras formas de sacrifício que Jeová exige de seu povo, a forma de obter o perdão divino pelos erros cometidos. Quanto maior o pecado, mais valor material devia ter o objeto do sacrifício.
Foi dessa maneira de conceber Deus que se originaram as atuais penitências e também as promessas, ainda utilizadas no meio religioso. Trata-se, portanto, de uma relação de troca: “dou para que Deus me dê; se eu der isso, Deus me dará aquilo”. Trata-se de uma simples transação de troca de favores, bem própria da idade infantil, quando procuramos mostrar à criança que nada se obtém de graça, que tudo tem seu valor e seu custo. Portanto, não é difícil entender que essa acanhada visão de Deus teve sua razão de ser no passado, na infância da humanidade, quando a mentalidade do homem era bem mais estreita e fantasiosa.
Voltamos, agora, à questão 646 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS. Quando Kardec pergunta sobre qual é o verdadeiro mérito de se praticar o bem, ele está se referindo ao bem, conforme os ensinamentos de Jesus – ou seja, ao bem real, ao bem que parte do coração, e não ao bem que é só aparência, que é só conveniência ou oportunismo, ou ao que bem esconde segundas intenções. Fazer o bem com segundas intenções – isto é, praticar uma boa ação, visando a um bem próprio maior – pode ser um grande bem para quem o recebe, mas seu valor é menor para quem o pratica.
Em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, capítulo 8, sobre o tema “Pecado por Pensamento”, Kardec deixa claro que, no processo evolutivo do Espírito, há um caminho a percorrer em direção ao bem, que cada um faz segundo seu amadurecimento ou seu entendimento sobre a vida. Aquele que faz o mal e se compraz no mal que faz (sem nenhum arrependimento) ainda não aprendeu nada sobre o bem. Aquele que já se esforça para não fazer o mal e é já capaz de praticar algum ato de bondade, embora pensando apenas em si mesmo, já deu um passo significativo em relação ao anterior. Mas aquele que já não é capaz de fazer o mal e consegue fazer o bem, pensando na felicidade de seu irmão, este já atingiu o ápice da escala.
Não é difícil concluir, portanto, que a expressão, utilizada pelos Espíritos, “o mérito do bem está na dificuldade” constitui um dos princípios fundamentais de toda a educação. Quanto mais difícil o salto, maior o mérito do saltador. Esta afirmação pode ser entendida assim: o bem praticado por alguém, que está iniciando seus primeiros passos nesse caminho, é mais significativo para ele do que o daquele que já vem prestando serviços voluntários há muito tempo e que já o faz com muito prazer e sem esforço aparente. O segundo já conquistou o que o primeiro, agora, e com mais sacrifício, está conquistando.
Este é o princípio da evolução. O Espírito, ao longo de sua evolução, passa por diversas fases. Nas primeiras fases, tudo mais difícil, e por isso ele caminha devagar. Mas, à medida que vai se desenvolvendo, conhece também etapas de maior progresso, aumentando seus passos e caminhando cada vez mais depressa. Por outro lado, o sofrimento em si é inerente à compreensão de cada um: dois Espíritos podem percorrer o mesmo caminho e alcançar o mesmo nível de progresso, sendo que um sofreu mais do que outro, por ter complicado sua caminhada. O sofrimento sempre será proporcional à resistência com que cada um se opõe ao bem que pode fazer.