No número de outubro de 1864 da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec reproduz artigo de sua autoria baseado em matéria de publicação literária diária de Paris, em que um articulista chamado Émile Deschamps relata experiência pessoal na qual, em viagem pela França, abrigando-se da chuva num dos magazines de cidade que visitava, sentiu-se compulsivamente atraído por jovem que ali trabalhava. Afirmando tal interesse não ser determinado pela sua beleza, comprou alguns pequenos objetos e, ao pagá-los disse a ela: -“Obrigado, senhorita Sara’. A jovem me olhou com ar um pouco surpreso. -Isto vos espanta, retomei, que um estranho saiba o vosso nome, um de vossos pequenos nomes; mas se quiserdes pensar atentamente em todos os vossos nomes, eu vo-los direi sem hesitar. Pensai nisso? - Sim, senhor, respondeu ela, metade rindo e metade tremendo. - Pois bem! continuei, olhando-a fixamente na testa, vos chamais Sara, Adèle, Benjamine N...- É verdadeiro, replicou e depois de alguns segundos de estupor, se pôs a rir completamente, e vi que pensava que eu tivera essas informações na vizinhança, com o que me divertia. Mas eu, que sabia bem que disso não sabia uma palavra, fiquei assustado com essa adivinhação instantânea. No dia seguinte, e nos seguintes, corri à loja; minha adivinhação se renovava a todo momento. Pedia-lhe para pensar em alguma coisa, sem ma dizer, e quase em seguida lia sobre sua fronte esse pensamento não explicado. Pedia-lhe para escrever algumas palavras com um lápis mas escondendo, e, depois de tê-la olhado um minuto, escrevi de minha parte as mesmas palavras na mesma ordem. Eu lia em seu pensamento como num livro aberto, e ela não lia no meu: eis a minha superioridade; mas ela me impunha suas ideias e emoções. Que pensasse seriamente nesse objeto; que repetisse palavras num escrito, e súbito eu adivinhava tudo. O mistério estava entre o seu cérebro e o meu, não entre minhas faculdades de intuição e as coisas materiais. O que quer que seja, tinha-se estabelecido entre nós dois uma relação tanto mais íntima quanto mais pura. Uma noite, ouvi em meu ouvido uma voz forte que me gritava: Sara está doente, muito doente! Corri à sua casa; um médico a velava e atendia uma crise. Na véspera, Sara fora acometida por uma febre ardente; o delírio continuou toda a noite. O médico me chamou à parte, e me fez entender que temia muito. Dessa posição eu via inteiramente a fronte de Sara, e minha intuição o trazendo sobre minha própria inquietude: Doutor, disse-lhe baixinho, quereis saber de que imagem seu fervente sono está ocupado? Ela se crê neste momento na grande Ópera de Paris, onde jamais foi, e uma dançarina corta, entre outras ervas, uma planta de cicuta, e a atira exclamando: É para ti. O médico me acredita em delírio. Alguns minutos depois a doente despertou pesadamente, e suas primeiras palavras foram: "Oh! como é bela a Ópera! mas por que, pois, esta cicuta, que me atira esta bela ninfa? "O médico ficou estupefato. Uma poção onde entrava a cicuta foi administrada a Sara, que se achou curada em alguns dias”. Comentando o fato, Allan Kardec observa que “os exemplos de transmissão de pensamento são muito frequentes, não talvez de maneira tão caracterizada como no fato acima, mas sob formas diversas. Quantos fenômenos se passam assim diariamente sob nossos olhos, que são como os fios condutores da vida espiritual, e aos quais, no entanto, a ciência não se digna conceder a menor atenção! Argumenta que ligação íntima da vida espiritual e da vida orgânica durante a existência terrestre; destruição da vida orgânica e persistência da vida espiritual depois da morte; a ação do fluido perispiritual sobre o organismo; reação incessante do Mundo Invisível sobre o Mundo Visível e reciprocamente: tal é a lei que o Espiritismo vem demonstrar e que abre à ciência e, ao homem, horizontes inteiramente novos.
Nos livros espíritas, que eu li, de Allan Kardec, vi várias referências a alguns santos adorados pelos católicos – como São Vicente de Paulo e Santo Agostinho. Queria saber se o Espiritismo também adota os santos.
O Espiritismo, desde as suas bases – que estão na obra de Allan Kardec – tem um compromisso com o bem e com a verdade. Ele não se julga dono da verdade, mas tem esse compromisso moral com tudo interessa à felicidade humana. Os santos da Igreja, que fizeram parte da codificação da doutrina ( como Santo Agostino e São Vicente de Paulo que você cita e vários outros) foram homens que muito fizeram pela humanidade e que, portanto, sempre serão respeitados por isso, porque eles têm autoridade moral para falar em nome do bem e da verdade.
É claro que o Espiritismo não tem santos, nem faz adorações, mas reconhece esses personagens como Espíritos missionários, como reconhece outros tantos que estiveram em várias outras fileiras religiosas, como no protestantismo, no judaísmo, no islamismo, no budismo, etc. A visão espírita de mundo é, portanto, universalista. Pouco importa a cor religiosa das pessoas, se elas desempenham bem o seu papel no mundo e ajudam a humanidade a progredir, principalmente no aspecto ético-moral.
O sectarismo religioso – ou seja, o sentimento que divide e afasta as pessoas por motivos religiosos – sempre foi altamente prejudicial à evolução espiritual da humanidade, gerando intrigas e violência. Foi ele que veio criando barreiras, alimentando preconceito e ódio entre os diferentes grupos, ao longo da História. Entretanto, no seio de todos os segmentos religiosos, principalmente da Igreja Católica, sempre vamos encontrar os defensores do amor ensinado por Jesus, que são aqueles que sempre acreditaram que Deus e a verdade estão acima das convenções humanas.
Espíritos como Francisco de Assis, Madre Tereza de Calcutá, Vicente de Paulo e tantos outros não vieram ao mundo para dividir, mas para aproximar as pessoas, porque, acima de tudo, eles amam a humanidade e querem que o egoísmo desapareça da Terra, dando lugar à convivência solidária e fraterna – ideal de Jesus.
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