A surpreendente resposta à questão 607ª d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS indica que a Individualidade em que nos tornamos é uma versão avançada do chamado Princípio Inteligente do Universo. E o também surpreendente Allan Kardec nas páginas de suas OBRAS BÁSICAS, particularmente da REVISTA ESPÍRITA preservou material instigante para nossas reflexões. Na sequência alguns pontos para pensarmos. Como teria se operado o início da fase Humanidade? Ignoramos absolutamente em que condições se dão as primeiras encarnações do Espírito; é um desses princípios das coisas que estão nos segredos de Deus. Apenas sabemos que são criados simples e ignorantes, tendo todos, assim, o mesmo ponto de partida, o que é conforme à justiça; o que sabemos ainda é que o livre-arbítrio só se desenvolve pouco a pouco e após numerosas evoluções na vida corpórea. Não é, pois, nem após a primeira, nem depois da segunda encarnação que o Espírito tem consciência bastante clara de si mesmo, para ser responsável por seus atos; não é senão após a centésima, talvez após a milésima. Dá-se o mesmo com a criança, que não goza da plenitude de suas faculdades, nem um, nem dois dias após o nascimento, mas depois de anos. (RE, 1864) O armazenamento do registro de percepções, sensações e experiências se dá naturalmente através da memória cujos rudimentos podem ser observados no Reino Mineral. Como o Espiritismo a explica? A memória pode ser comparada a placa sensível que, ao influxo da luz, guarda para sempre as imagens recolhidas pelo Espírito, no curso de seus inumeráveis aprendizados, dentro da vida. Cada existência de nossa alma, em determinada expressão da forma, é uma adição de experiência, conservada em prodigioso arquivo de imagens que, em se superpondo umas às outras, jamais se confundem. (ETC, 12) Que é a memória, senão uma espécie de álbum mais ou menos volumoso, que se folheia para encontrar de novo as ideias apagadas e reconstituir os acontecimentos que se foram? Esse álbum tem marcas nos pontos capitais. De alguns fatos o indivíduo imediatamente se recorda; para recordar-se de outros, é-lhe necessário folhear por longo tempo o álbum.(OP) A memória é como um livro! Aquele em que lemos algumas passagens facilmente no-las apresenta aos olhos; as folhas virgens ou raramente perlustradas têm que ser folheadas uma a uma, para que consigamos reconstituir um fato sobre o qual pouco tenhamos demorado a atenção. Quando o Espírito encarnado se lembra, sua memória lhe apresenta, de certo modo, a fotografia do fato que ele procura. A memória é um disco vivo e milagroso. Fotografa as imagens de nossas ações e recolhe o som de quanto falamos e ouvimos. Por intermédio dela, somos condenados ou absolvidos, dentro de nós mesmos. (LI, 11) O aprofundamento das pesquisas levadas a efeito por diferentes ramos da ciência permitiu concluir-se que o recurso chamado mente acompanha a evolução da nossa espécie. O Biólogo Bruce Lipton no livro BIOLOGIA DA CRENÇA (butterfly, 2006) explica essa evolução. O que diz? A evolução dos mamíferos mais desenvolvidos, incluindo os chimpanzés, os cetáceos e os humanos, criou um novo nível de consciência chamado "autoconsciência" ou mente consciente. Foi um passo muito importante em termos de desenvolvimento. A mente anterior, predominantemente subconsciente, é nosso "piloto automático"; já a mente consciente é nosso controle manual. Por exemplo: se uma bola é jogada em direção ao seu rosto, a mente consciente, mais lenta, pode não reagir em tempo de evitar a ameaça. Mas a mente inconsciente, capaz de processar cerca de 20 milhões de estímulos ambientais por segundo versus 40 estímulos interpretados pela mente consciente no mesmo segundo, nos fará piscar e nos desviar. A mente subconsciente, um dos processadores de informações mais poderosos de que se tem notícia até hoje, observa o mundo ao nosso redor e a consciência interna do corpo, interpreta os estímulos do ambiente e entra imediatamente em um processo de comportamento previamente adquirido (aprendido). Tudo isso sem ajuda ou supervisão da mente consciente. O subconsciente é um grande centro de dados e programas desprovido de emoção, cuja função é simplesmente ler os sinais do ambiente e seguir uma programação estabelecida sem nenhum tipo de questionamento ou julgamento prévio.
Um ouvinte, que se identificou pelas iniciais M.C.A, faz o seguinte comentário por e-mail: “Não é nada animador o que o Espiritismo fala sobre felicidade. No evangelho de Kardec, diz que “a felicidade não é deste mundo”, que estamos aqui para expiar nossos pecados. Portanto, não devemos esperar mais do que uma vida atribulada, cheia de problemas e sofrimento. Como é que o Espiritismo pode ser consolador, falando só em sofrimento e resignação”?
Não é bem assim. De fato, o título “A felicidade não é deste mundo” está lá, no capítulo V d’O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. A mensagem é do Cardeal Morlot, Espírito, que afirma que, sendo a Terra um mundo de provas e expiações, nela não vamos encontrar absolutamente ninguém que possa gozar de uma felicidade completa; ou seja, de alguém que nunca sofreu, que nunca passou por uma dificuldade, seja de quem ordem for. Uma coisa é certa: o Espiritismo não nos acena com fantasias ou quimeras, prometendo uma coisa que, de antemão, sabemos que não vai acontecer.
Isso não quer dizer, no entanto, que não haja consolo ou reconforto no Espiritismo. Pelo contrário, do ponto de vista moral, a doutrina repete o mesmo que Jesus ensinou. Numa época onde imperavam a violência e a injustiça ( quando a humanidade era mais atrasada), se Jesus tivesse dito ao povo que todos seriam totalmente felizes neste mundo, estaria criando uma expectativa irrealizável. O mestre de Nazaré, no entanto, sem mesmo nos isentar da dificuldade, trouxe o consolo da imortalidade, procurando nos convencer de que a vida continua e que alcançar a felicidade seria uma questão de tempo. É o que diz o Sermão da Montanha, quando trata das bem-aventuranças.
A Doutrina Espírita entende que, na Terra, o mal ainda predomina, embora o bem seja o objetivo de todos. Entretanto, uma coisa é querer o bem, outra coisa é praticá-lo. Fazer o bem é sempre mais difícil do que fazer o mal; pois, não fazer nada já é um mal. Daí a dificuldade de alcançar a condição que os Espíritos colocaram para Kardec em relação à felicidade neste mundo. Com certeza, a felicidade não é um caminho fácil, porque é aperfeiçoamento, trabalho, de esforço e transformação ( e, principalmente, de conquistas), mas, de certa forma, ela pode se experimentada em cada passo, quando o caminhante tem consciência da meta que pretende alcançar.
O Espiritismo, da mesma forma que Jesus, não exalta nem incentiva o sofrimento, mas afirma que o sofrimento faz parte da nossa transformação e da construção de um mundo melhor. Isso porque toda mudança exige doação pessoal, esforço e até mesmo sacrifício, pessoal e coletivo. É lei da vida. Você conhece alguém, que tenha tido êxito na vida, sem dedicação, empenho e luta? Todavia, aqueles que o fizeram, apesar das dificuldades pelos quais passaram, com certeza, se sentem felizes pelas metas conquistadas. Este é o preço da resignação e da renúncia, quando elas visam a um objetivo elevado.
Consultando O LIVRO DOS ESPÍRITOS, questão 920, encontramos o seguinte: “O homem pode gozar de uma felicidade completa sobre a Terra?” Resposta: “Não, visto que a vida na Terra lhe foi dada como prova ou expiação. Entretanto – conclui o Espírito - depende dele amenizar seus males e ser tão feliz quanto se pode ser sobre a Terra”. Como vemos, sempre haverá uma felicidade relativa, enquanto houver um sonho a realizar. E o caminhar em busca desse sonho, ainda que difícil e sofrido, é também felicidade.
Na questão 922, Kardec pergunta: “A felicidade na Terra é relativa à posição de cada um; o que basta a felicidade de uma pessoa faz a infelicidade de outra. Contudo, existiria uma medida comum de felicidade para todos os homens?” Veja a resposta que os Espíritos deram: “Para a vida material é a posse do necessário; para a vida moral, a consciência tranqüila e a fé no futuro”.
Haverá maior consolo que esse? Se o individuo tiver o necessário para viver ( isto é, se não estiver passando fome ou necessidade; daí nossa obrigação de uns para com os outros) se tiver tranqüilidade de consciência ( não ter prejudicado a ninguém) e se, além disso, tiver certeza de que a vida não termina com a morte, que terá outras oportunidades ( inclusive para se redimir de erros cometidos no passado), se estiver certo de que um futuro glorioso o espera na sua escalada evolutiva, não resta dúvida, de que se sentirá feliz, ainda nesta vida, apesar de estar num mundo de provas e expiações.
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